Select Menu

Random Posts

Lorem 1

Technology

Religião

Victor Barbuy

Racing

Rafael Queiroz

Brasil Lero Lero



Consideramos a Monarquia Tradicional, tal como existiu um dia na França dos Estados Gerais, no Portugal e na Espanha das Cortes, na Inglaterra do Parlamento e na Alemanha da Dieta, a mais perfeita dentre as formas de governo. Julgamos, portanto, que o Príncipe deve reinar e governar, tendo, porém, seu poder concretamente limitado pelas Assembleias. A estas, constituídas pelos representantes eleitos dos Corpos Intermediários, dos Grupos Naturais componentes da Sociedade, deve caber a administração dos negócios do Estado.

Estamos, pois, de acordo com Santo Tomás de Aquino, que, em Do governo dos príncipes, tendo em vista tal tipo de Monarquia, a denominada Monarquia Temperada, afirma ser a Monarquia, isto é, o governo justo de um só, a melhor das formas de governo [1], ressaltando que “as províncias e cidades governadas por um só rei, gozam de paz, florescem na justiça e alegram-se com a opulência” [2].

Ainda na referida obra, pondera o Aquinense que a Monarquia, ainda quando decaída, é a melhor das formas de governo [3] e que o governo de um só se corrompe menos facilmente em tirania do que o governo de muitos [4].

Também na Suma Teológica defende o Doutor Angélico a superioridade da Monarquia Temperada, ou Regime Misto:
A boa ordem governativa de uma sociedade requer duas condições. A primeira é que todos tenham uma parte no poder, visto ser garantida assim a paz do povo e toda gente estimar e defender esta organização. Além disso, que um só homem seja estabelecido no poder e presida a todos, tendo abaixo dele alguns homens que dirijam em razão de seu valor e que sejam eleitos de entre todos ou que ao menos todos possam elegê-los [5].
Referindo-se ao Regime Misto, à Monarquia Temperada de Santo Tomás, Marcel Demongeot sublinha que se o autor da Suma contra os gentios “pôde achar naquela época, na sua época, alguma contribuição à teoria do regime misto, foi menos nos teólogos, seus mestres, que nas instituições e mormente nos grandes princípios mais ou menos difundidos que constituíam o direito público daquele tempo”. No que diz respeito ao espírito do regime misto, “nenhuma época o realizou tão perfeitamente” quanto aquela. Tendo em vista particularmente as afinidades existentes entre a concepção do regime misto e o espírito do Cristianismo, não se ficará, como aduz o pensador francês, “surpreendido de ser santo o rei que melhor o encarnou. São Luís, com efeito, mais que nenhum rei, soube realizar aquela perfeita ponderação dos poderes, aquela colaboração e unidade que constituem o regime misto” [6].

Dante Alighieri pondera, na obra Da Monarquia, considerada por José Pedro Galvão de Sousa “o canto de cisne do pensamento medieval” [7], que “o gênero humano é mais bem governado por um do que por muitos, isto é, pelo Monarca, que é o único príncipe. Se esse regime é o melhor, é o mais agradável a Deus, pois Deus quer aquilo que é melhor. Quando somente duas possibilidades se acham em presença, o comparativo confunde-se com o superlativo; assim, pois, quando se trata da unidade ou da pluralidade dos chefes, a unidade, aos olhos de Deus, não se deve chamar somente de melhor, mas sim, de excelente. Donde se chegue que o gênero humano goza de uma boa organização quando é governado por um só” [8].

Na referida obra, o autor da Divina Comédia e do Convívio ressalta que é sintomático o fato de que Jesus Cristo, o Deus-Filho, que se fez Homem para salvar o Homem, esperou para vir ao Mundo o momento em que este se encontrava “universalmente em paz, salvo sob o divino Augusto monarca, quando existia uma Monarquia perfeita”, como o testemunharam “todos os historiadores, todos os poetas ilustres, e mesmo o testemunho de bondade de Cristo” [9].

Foi o tempo de Augusto, como é sabido por todos, o apogeu de Roma e de sua portentosa Civilização, que teve, sob a Monarquia [10], toda a ordem e o progresso que haviam faltado, em diversos momentos, durante a chamada República e particularmente nos últimos anos desta, em virtude de o poder estar dividido entre muitos, o que, aliás, levara ao surgimento de diversas tiranias. Isto porque, como demonstra Santo Tomás, em Do governo dos príncipes, o governo múltiplo descamba mais facilmente na tirania do que a Monarquia [11], do mesmo modo que a liberdade excessiva leva à tirania [12], tese que, com efeito, Plínio Salgado, magno doutrinador tradicionalista, patriótico e nacionalista brasileiro, desenvolveria em artigo intitulado Liberdade, caminho da escravidão, publicado no jornal A Razão e transcrito na obra O sofrimento universal, de 1934 [13], e em O pensamento revolucionário de Plínio Salgado, magnífica antologia do pensamento do autor de Espírito da Burguesia realizada por Augusta Garcia Rocha Dorea [14].

Com efeito, tendo em vista a superioridade da Monarquia em face do governo múltiplo, o Aquinense ressalta que “há terminado em tirania quase todo governo de muitos, como se patenteia na república romana, a qual, como tivesse sido longo tempo administrada por muitos magistrados, despertando muitos ódios, dissensões e guerras civis, veio a cair sob os tiranos os mais cruéis” [15].

Isto posto, cumpre ressaltar que a República não é necessariamente ruim, havendo, na História, exemplos de diversas repúblicas que permaneceram fieis à Tradição e promoveram a Ordem e o engrandecimento do Bem Comum. Dentre estas repúblicas, que foram, mais propriamente, regimes mistos, sínteses da Monarquia, da Aristocracia e da Politeia, podemos mencionar as de Gênova, Pisa, Florença, Siena, Ancona, Ragusa e, é claro, a mais gloriosa de todas elas, a Sereníssima República de Veneza. Esta foi durante séculos a potência dominante no Adriático e no Mediterrâneo, possuindo por muito tempo a maior e mais poderosa marinha da Europa e, graças a suas magníficas instituições e sob as bênçãos do Apóstolo São Marcos, o Evangelista, cujas relíquias guarda, dilatou a Fé e o Império, muito contribuindo para a grandeza da Cristandade.

O Papa Leão XIII preleciona, na Encíclica Diuturnum Illud, de 1881, que “não há razão para que a Igreja não aprove o principado de um só ou de muitos, contanto que seja justo e atenda ao bem comum. Portanto, salva a justiça, não se proíbe aos povos de adotarem o sistema de governo que melhor convenha a suas índoles próprias ou às instituições e costumes de seus maiores” [16]. No mesmo sentido, aduz o referido Pontífice, na Encíclica Immortale Dei, de 1885, que nenhuma das diversas formas de governo é de si condenável, pois nada têm elas “que repugne à doutrina católica, e podem mesmo, se postas em prática com sabedoria e justiça, assegurar uma ótima e estável ordem à sociedade” [17].

Faz-se mister assinalar que Leão XIII haveria sido um dos maiores papas mesmo que nos houvesse legado tão somente as supracitadas encíclicas, bem como, é claro, as encíclicas Aeterni Patris [18], de 1879, que marcou o início do grande renascimento da Filosofia Tomista, e Rerum Novarum [19], de 1891, marco inicial do igualmente grande renascimento da Doutrina Social Católica, que teve como prenúncio a luta de homens como o Marquês de la Tour Du Pin, Albert de Mun, Juan Vázquez de Mella e o Barão Karl von Vogelsang, pela instauração da Economia e da Sociedade corporativas e contra o capitalismo liberal e seu filhote, o socialismo.

Como afirma o supramencionado Romano Pontífice, cada povo deve adotar o sistema de governo que convenha de forma mais adequada a seu Espírito e à Tradição legada por seus maiores. Ora, sendo o Brasil inegavelmente um Império e sendo monárquico o seu Espírito Nacional e a sua Tradição, deve ter ele um governo monárquico. Devemos, pois, manifestar o nosso integral repúdio a esta “nossa” República inautêntica, antinacional e antitradicional, cópia mal feita de modelos surgidos a partir da “Reforma”, do “Iluminismo” e do Enciclopedismo, isto é, das ideologias que há séculos desgraçam o Mundo, nele havendo implantado o Império de Calibã, a nefasta civilização da técnica, do ouro e do número, onde a tirania dos “déspotas esclarecidos” de ontem cedeu lugar àquela dos banqueiros de hoje. E devemos, por conseguinte, lutar para que a República, nascida de um golpe militar desferido à revelia do nosso povo e contra a Nação Profunda, Verdadeira e Autêntica e as suas mais lídimas tradições, um dia caia finalmente “por terra, para a confusão de quem concebeu tão horrorosa ideia”, conforme um dia previu António Conselheiro [20].

É imperioso pugnar pela instauração de uma Monarquia Tradicional, social, popular e orgânica em nosso Brasil, pois todos aqueles que conhecemos a verdadeira e magnífica História deste vasto Império temos consciência de que nele não há que se falar em patriotismo sem antes se falar em Monarquia, de sorte que fazemos nossas as palavras de António Sardinha, principal doutrinador e líder do movimento tradicionalista, patriótico e nacionalista a que denominamos Integralismo Lusitano, que certa feita escreveu: “Nós não somos patriotas por sermos monárquicos. Somos antes monárquicos por sermos patriotas” [21].

Em uma palavra, a Tradição Brasileira é essencialmente monárquica e o Brasil somente cumprirá integralmente a sua missão histórica quando tiver restaurada a Monarquia, pois, como afirma José de Alencar, que não foi tão somente um grado romancista, mas também um pensador, político e jurista de inegável valor, “a Monarquia é não só uma instituição tradicional no Brasil como é uma instituição de raça” [22].

Com efeito, a Monarquia Tradicional é a forma de governo que mais se aproxima da Constituição Natural e Histórica da Sociedade Brasileira, Constituição esta que não se confunde com nossa Constituição escrita e que João de Scantimburgo define como o “conjunto de instituições histórico-tradicionais que regularam no passado e devem regular no futuro a vida nacional” [23].

É mister que todos saibam que o 15 de novembro de 1889 não foi senão um golpe de Estado desferido à revelia do povo brasileiro e que, como bem demonstra Oliveira Vianna, a relevância política e a penetração das ideias republicanas em nossa Sociedade era mínima até aquela data infame [24].

Como bem ressalta o Conde de Afonso Celso, do fato de a República haver sido implantada por meio de um golpe criminoso resultam os fatos de ter sido esta rejeitada “por parte de tantos distintos patriotas” e “em magna quantidade os males produzidos por ela”. Consoante aduz o grande pensador e líder monárquico, católico, patriótico e nacionalista brasileiro, a República “começou mal, trazendo em si o gérmen da morte; começou pela traição, pela violação de princípios que não perdoam violações”. Ainda segundo observa o nobre companheiro de ideiais de seus contemporâneos Eduardo Prado, Carlos de Laet e Felício dos Santos, todos, assim como ele, vultos insignes do pensamento tradicionalista pátrio, se a República era verdadeiramente a aspiração do povo brasileiro [o que certamente não era], “não houvera sido difícil consegui-la de maneira nobre, e de consequências menos funestas para o Brasil, como se conseguiu a abolição” [25].

No mesmo sentido, frisa o Visconde de Taunay que no dia 15 de novembro principiou a “paródia ridícula e sanguinária do regime democrático”, que não foi senão “imposição e partilha de um grupo mínimo no seio desta grande nação, misto de pedantesca ciência e teorias repelidas pelo bom senso, com exclusão absoluta da vontade e do voto do povo” [26].

O alheamento do povo em relação ao supracitado golpe foi, aliás, reconhecido por um dos mais ardorosos líderes republicanos, o Sr. Aristides Lobo, quando este escreveu que o povo assistira àquele episódio “bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava” [27].

Ninguém, porém, resumiu o 15 de novembro melhor do que Plínio Salgado:
Em 1889, sem que tivesse havido qualquer eleição ou consulta ao povo brasileiro, a guarnição do Exército da capital do Império, tendo à frente o Marechal Deodoro da Fonseca, destronou o nosso velho imperador, embarcando-o à força no paquete Alagoas que o conduziu, com sua família, para o Exílio, onde veio a falecer após cinquenta anos de serviços prestados à Pátria. O Partido Republicano era, entretanto, uma escassa minoria em todo o território nacional [28].

Isto posto, registre-se que a causa republicana no Brasil foi, desde o princípio, obra das sociedades secretas antitradicionais e antinacionais, inimigas figadais do Trono e do Altar, as quais jamais permitiriam que o Império fosse governado pela Princesa Isabel, que, assim como o marido, o Conde D’Eu, era católica apostólica romana na plena acepção do vocábulo e profundamente consciente do mal que representavam, para o Brasil, as supracitadas sociedades.

É mister que todos tenham consciência de que, como sublinha Arlindo Veiga dos Santos, assinalado arauto e poeta de uma Pátria Nova, em Ideias que marcham no silêncio: “A ORIGINALIDADE POLÍTICA BRASILEIRA NA AMÉRICA É A MONARQUIA, O IMPÉRIO”, sendo tudo o mais “ARREMÊDO E FALSIFICAÇÃO, IGNORÂNCIA HISTÓRICA DE INEPTOS, PARA NOS DESNACIONALIZAR, ENFRAQUECER, INFELICITAR, ANULAR E DESTRUIR” [29]. Ainda na referida obra, o criador e Chefe Geral do Patrianovismo, sã Doutrina tradicionalista, patriótica e nacionalista que prega a regeneração e renovação do Brasil e do Estado Brasileiro segundo a Igreja e a Tradição Integral da Nação, pondera que “nossa gloriosa originalidade nas Américas era o sermos Monarquia, o sermos IMPÉRIO” e que nossos irmãos da América Espanhola lamentam, “desde 1889, o nosso rebaixamento artificial ao primarismo antinacional republicano”, posto que “todos eles quiseram, desde o início, ser monarquias e não o puderam” [30].

***

Voltemos, porém, à Monarquia Tradicional. Nela, conforme afirmamos, o Soberano reina e governa, tendo, contudo, seu poder concretamente limitado pelas Assembleias, compostas pelos representantes eleitos dos Grupos Sociais Naturais. Monarquia da Realeza e das Cortes Gerais, inspirada nos salutares preceitos da Igreja e apoiada na Tradição é, sem dúvida alguma, a forma de governo em que a Sociedade se vê melhor representada, sendo, com efeito, também denominada Monarquia Representativa.

Neste sentido, o assinalado pensador e homem de ação tradicionalista Vázquez de Mella, mais importante pensador político espanhol do século XIX ao lado de Donoso Cortés, doutrina que a Monarquia Tradicional, com os Concelhos, as Comunidades e Irmandades, as Juntas e Deputações forais, as Cortes dos distintos reinos, condados e senhorios, se constitui no “organismo tradicional que sobre o solo da pátria foram levantando as gerações”. Apoiada na Tradição, “que é o sufrágio universal dos séculos”, esta Monarquia, ainda segundo o grande mestre do Tradicionalismo Hispânico, “se funda no direito cristão e na vontade nacional, que não é a móvel e arbitrária opinião de um dia, mas o voto unânime das gerações unidas e animadas pelas mesmas crenças e idênticas aspirações” [31].

Como preleciona António Sardinha, na extensa introdução às Memórias para a Teoria e História das Cortes Gerais, do segundo Visconde de Santarém, na Monarquia Tradicional, o Rei governa e a Nação se administra. Como frisa o autor de Ao princípio era o Verbo, nesta forma de governo, o Rei governa, “efectuando pela distribuição da justiça e pela defesa do solo a unidade necessária à segurança de todos”, e a Nação se administra, “realizando a multiplicidade dos seus interesses na multiplicidade dos vários órgãos” que legitimamente os exprimem [32].

Na Monarquia Tradicional, a autoridade real somente intervém na hipótese de alguns desses organismos se chocarem ou de invadirem a órbita dos demais, de modo que, uma vez “obtida a equação indispensável à economia do grupo, a actividade do Rei” deve reentrar “logo na sua esfera própria” [33].

A Monarquia Tradicional é caracterizada pela descentralização administrativa e pela centralização, ou concentração, política [34], e, como preleciona Rafael Gambra, não é apenas tradicional, isto é, identificada “com esse processo tradicional que constitui a vida da pátria”, ou melhor, que constitui, no aspecto político, sua própria substância”, representando o arraigo e a continuidade frente à improvisação e a instabilidade” [35], mas também hereditária [36], federal ou foralista [37], representativa [38] e, é claro, social, qualificativo que, de acordo com o ilustre pensador tradicionalista, é o que mais convém a tal forma de Monarquia [39].

Isto posto, faz-se mister assinalar que o termo “social” se refere a uma coexistência de sociedades e instituições autônomas intermediárias em face do Estado [40], sendo, com efeito, programa primordial da Monarquia Tradicional a restauração da Sociedade “com seus órgãos naturais e sua vitalidade interior” [41]. Esta não é senão a tese denominada corporativa e orgânica e que, na opinião de Gambra, encontrou em Vázquez de Mella seu expositor “mais profundo e coerente” [42] e que é a tese da verdadeira Doutrina Social da Igreja e dos tradicionalistas autênticos d’aquém e d’além mar, de Plínio Salgado a António Sardinha, de Arlindo Veiga dos Santos a Francisco Elías de Tejada, de José Pedro Galvão de Sousa a Hipólito Raposo, de Heraldo Barbuy a João Ameal, de Gustavo Barroso ao Conde de Monsaraz, de Tasso da Silveira a Víctor Pradera e assim por diante.

Volvamos, porém, ao caráter tradicional da Monarquia. Como sublinha Maurras, no Inquérito sobre a Monarquia:
“A realeza deve ser tradicional: há justamente uma orientação toda nova dos espíritos, favorável à tradição nacional e, como diz Barrès, às sugestões da nossa terra e dos nossos mortos” [43].

No que respeita ao conceito de “tradição nacional”, esposado não apenas por Maurras, mas também pela absoluta maioria dos grandes vultos do pensamento católico tradicional, cumpre assinalar que tal conceito nada tem de absurdo, ao contrário do que julgava René Guénon [44], que, lamentavelmente, parece estar sendo mais seguido hoje pela maior parte dos ditos católicos tradicionais do que os magnos mestres do pensamento católico tradicional, todos eles defensores da Nação e do nacionalismo sadio, justo, equilibrado e ponderado, tendente ao universalismo e considerado a “armadura do patriotismo” por Yves de la Brière [45]. Com efeito, a ideia de Nação, que surgiu na Idade Média, nada tem de antitradicional, antes pelo contrário, como comprova o clássico exemplo de Portugal, que surge como Nação em pleno século XII, sob o signo da Tradição.

A Monarquia deve ser, enfim, tradicional, isto é, identificada à Tradição, cadeia sagrada que liga o Homem a seus maiores e seus descendentes, patrimônio que o Homem herda de seus antepassados e que deve legar, aprimorado, a seus filhos.

A Monarquia deve ser, também, hereditária, uma vez que o regime hereditário, que é o regime tradicional por excelência, representa o repúdio ao nefasto domínio das ideologias e a plena aceitação da Ordem Natural na Sociedade e em sua evolução [46].

A Monarquia deve ser, portanto, hereditária como a Família, fundamento da hereditariedade e baluarte da Tradição, sem a qual, aliás, não pode mesmo sobreviver.

Donoso Cortés, com efeito, ao tratar da Monarquia Tradicional, que, na célebre Carta ao diretor da “Revue des Deux Mondes", não vacila em qualificar como “o mais perfeito de todos os governos possíveis” [47], ressalta o seu caráter hereditário ao ponto de denominá-la tão somente “monarquia hereditária”, assim se exprimindo na referida carta, que data de 15 de novembro de 1852:
A Monarquia hereditária, tal como existiu nos confins que separam a Monarquia feudal e a absoluta, é o tipo mais perfeito e acabado do Poder político e das hierarquias sociais. O Poder era uno, perpétuo e limitado; era uno, na pessoa do rei; era perpétuo, em sua família; era limitado, porque em qualquer parte encontrava uma resistência material numa hierarquia organizada [48].
A Monarquia deve ser, ademais, como pondera Rafael Gambra, federal ou foralista, para que as Províncias e as Municipalidades tenham relativa autonomia, sendo dotadas de dinamismo próprio [49].
Isto posto, insta sublinhar que o federalismo de que fala o autor de O silêncio de Deus nada tem que ver com este federalismo inautêntico, importado para o Brasil por copiadores do modelo dos Estados Unidos da América que sequer perceberam que o sistema federativo norte-americano, produto de uma realidade totalmente distinta da nossa, sempre teve o propósito de centralizar e não de descentralizar, de conferir unidade ao que antes era vário, não sendo necessário para o Brasil, onde, graças à Monarquia e ao Império, a unidade nacional sempre fora uma realidade.

Cuidamos, com efeito, que um dos mais graves erros da República, presentes desde a Constituição de 1891, cópia mal feita da Constituição dos Estados Unidos da América e redigida por Rui Barbosa, foi o de haver implantado, no Brasil, este federalismo inautêntico, contrário ao federalismo autêntico e tradicional, também denominado foralismo. Este, derivado do corporativismo orgânico, a que Vázquez de Mella denomina sociedalismo [50], se constitui em uma forma de união de agrupamentos tendo em vista a realização de objetivos comuns e pautada no respeito à autonomia das partes integrantes [51], significando que o corpo social integral, constituído ao longo das gerações, é formado de corpos sociais autônomos, os Grupos Naturais, dos quais o primeiro é o Município. Este, que é a cellula mater da Nação e, como aduz Santo Tomás de Aquino, a comunidade perfeita [52], é a base do federalismo autêntico, a que muitos, a exemplo de Plínio Salgado, denominam municipalismo, termo que também preferimos.

A Monarquia deve ser, por fim, representativa, sendo seu caráter representativo decorrente da autonomia social. Aliás, como frisa Rafael Gambra, a representação dos corpos intermediários ante o Rei, é consubstancial com o regime sociedalista, de maneira tal que aparece desde os albores da evolução deste em todos os meios em que este um dia existiu [53].

***

Muitos têm confundido a Monarquia Tradicional com a Monarquia Absoluta. São estes, em geral liberais endeusadores do sufrágio universal e do parlamento, que acusam os adeptos da Monarquia Tradicional e do Poder Pessoal do Monarca, tais como os miguelistas e integralistas lusitanos, os carlistas espanhois e os patrianovistas brasileiros, de defensores da Monarquia Absolutista.

É forçoso sublinhar, contudo, que este é, sem dúvida alguma, um absurdo equívoco, posto que não há forma de governo tão distinta da Monarquia Tradicional, lídimo produto da Civilização Cristã, quanto a Monarquia Absoluta, filha do “Renascimento” e do racionalismo e precursora da liberal-democracia, alicerçada no mito da soberania popular, e da ditadura “proletária”, fundada no mito da redenção da Humanidade pelo proletariado, a um só tempo povo eleito e messias do “paraíso terreno” que seria o comunismo.

Como bem ressalta António Sardinha, há profunda identidade entre “o dogma da vontade suprema do monarca e o dogma supremo da soberania do povo”, ambos derivados da “concepção naturalista do Poder” [54]. E, em que pese o fato de as monarquias absolutas haverem preservado mais elementos da Ordem Tradicional do que as monarquias liberais e, sobretudo, do que as repúblicas modernas, o princípio absolutista é, ainda segundo as palavras do egrégio pensador, homem de ação e poeta lusitano, de “natureza essencialmente revolucionária”, havendo sido ele o preparador do triunfo do espírito liberal-democrático [55].

Registre-se, ademais, que, consoante preleciona Francisco Elías de Tejada, o “absolutismo destroçava a harmônica variedade do corpo social cristão para robustecer o poder do governante”, supondo, destarte, “nova ruptura da ordem orgânica medieval, por substituir ao corpo místico da sociedade cristã tradicional por um novo equilíbrio mecanicamente apoiado sobre o cetro todo-poderoso dos reis do despotismo ilustrado” [56].

Cumpre notar, ainda, que a ideia de Monarquia de direito divino, tão cara aos absolutistas, nada tem que ver com a Monarquia Tradicional. Tal ideia, aliás, possui nítido tom protestante [57] e foi mesmo condenada pela Igreja, bem como pela totalidade dos pensadores católicos tradicionalistas que a discutiram.
Com efeito, a origem divina do poder, reconhecida pela Santa Igreja, não implica na aceitação da tese segundo a qual Deus designaria, para governar determinado povo, esta ou aquela pessoa [58].

Enfim, tanto a monarquia absoluta quanto a liberal-democracia e o socialismo, este último filho desta e neto daquela, são frutos do Espírito Burguês [59], que há séculos vem dominando o Mundo, produtos da revolução, com “r” minúsculo. Esta não é senão o processo antitradicional iniciado com o “Renascimento” e a “Reforma” e que produziu, dentre outras aberrações, a “Revolução” (anti)Francesa de 1789, a “Revolução” (anti)Russa de 1917 e o Maio de 1968 em Paris, não podendo ser confundida com a Revolução Tradicional, ou simplesmente a única verdadeira e autêntica Revolução, com “R” maiúsculo. Esta, por seu turno, é uma mudança de atitude em face da realidade e dos problemas, uma transmutação integral de valores no sentido de defesa e restauração dos valores perenes da Tradição contra os valores passageiros da antitradição; uma revolta do Espírito da Nobreza contra o Espírito da Burguesia, dos paladinos do Império de Ariel contra as hordas do Império de Calibã.

***

Antes de encerrar o presente artigo sobre a Monarquia Tradicional, social, hereditária, representativa e municipalista, julgamos necessário assinalar que, como ensina António Sardinha, a Monarquia está acima do Rei, que não é senão seu primeiro servidor e principal órgão [60] e que nós outros, monárquicos por doutrina que somos, não podemos deixar de fazer nossas as palavras de João Pinto Ribeiro, proclamando, outrossim, que para nós outros a Monarquia vale “por virtude própria, independentemente da figura que a encarna” [61].
Da mesma forma, consideramos importante frisar que a obra de edificação de uma Monarquia Tradicional no Brasil somente frutificará caso esteja alicerçada sobre o Homem Tradicional, de sorte que nosso primeiro dever é o de empreender a reconstrução do Homem Tradicional, a que também podemos denominar Homem Integral.

Já nos havendo estendido por demais, damos por encerrado o presente trabalho, antes assinalando, porém, uma vez mais, que a Monarquia Tradicional é sem dúvida alguma a forma de governo mais condizente com o Espírito Nacional deste Império de nome Brasil e aquela que mais o engrandecerá e que àqueles que não acreditarem na restauração - ou instauração, como proclama o Patrianovismo, - da Monarquia Tradicional, nos chamando de sonhadores, responderemos com as palavras de Arlindo Veiga dos Santos:
“Só os sonhadores, só os visionários são senhores do Futuro. Os sanchos-panças comem o presente, dormem o presente, morrem o presente. E desaparecem sem ter criado as artes, a poesia, as flores, os Impérios” [62].

#Victor Barbuy




- -
Alguns amigos distributistas têm uma visão errada acerca do distributismo, como se ele só pudesse existir pela própria ação da sociedade e como se qualquer ação do Estado resultasse em socialismo. Esta é uma visão errada e contaminada pelo pensamento liberal, sobretudo, austríaco, que acredita que as intervenções do Estado são cumulativas levando inevitavelmente ao socialismo. Ou, até mesmo de deturpações do termo socialismo, como se qualquer ação do Estado fosse per se socialista. Então, é muito comum que eu veja expressões como: "Para haver distributismo a divisão da propriedade deve partir da sociedade, se for pela ação do Estado, é socialismo".

Eu acredito que exista duas razões para crer nisso, basicamente. Ignorância e malícia. A ignorância é muitas vezes fruto de má explicação, de ideias heterodoxas (em sentido teológico), de leituras apressadas ou inconscientemente enviesadas. E a ignorância como tal, deve ser eliminada pela argumentação sincera e educada. Realmente, quanto mais orgânico e voluntário for a divisão da propriedade, melhor. Se as pessoas pudessem ser convencidas a livremente doares parte de suas posses a quem não tem; se fossem convencidas a serem comunitárias nos seus empreendimentos, enfim... Tudo isso seria ótimo, o melhor cenário possível! Só que as coisas na REALIDADE não são assim, e alguma coerção ou, pelo menos, "estímulo" deve ser tomado. E é aí que entra o fator malícia.

Alguns liberais, conscientemente liberais, que pretendem convencer a si e a outrem de que não há nada de errado em ser liberal econômico e católico, usam deste artifício e instrumentalizam os ignorantes para crer na ideia de que o distributismo é 100% voluntário, ou não deve ser tentado pois redundará em socialismo. A artimanha é uma falsa dicotomia, óbvio! E é uma tremenda desonestidade.


A ideia por detrás, óbvio, é se infiltrar em grupos católicos e cooptá-los para o liberalismo, se não pelos princípios, pelo menos pela prática, através do medo de um mal maior, o comunismo. Assim, sob pretexto de combater a esquerda, distributistas e liberais se fechariam juntos nas mesmas fileiras de combate, lutando pelo capitalismo liberal. Eis a dialética macabra da modernidade: Para combater os erros de 1848 e 1917, acaba-se caindo nos erros de 1776 e de 1789.


Antes de mais nada, nem o próprio Chesterton acreditava que o distributismo só pudesse ser alcançado por vias não-estatais; diz nosso bom Gilbert (2016, p.74):

"Aqui está, por exemplo, uma dúzia de coisas que promoveriam o processo do distributismo, à parte daquelas em que tocaremos como pontos de princípio. Nem todos os distributistas concordariam com todas elas, mas todos concordariam que elas estão na direção do distributismo."

Segue Chesterton:
"(1) A taxação de contratos a fim de desencorajar a venda de pequenas propriedades a grandes proprietários e encorajar o rompimento e espalhar de grandes propriedades em pequenas propriedades."

Quem taxa se não o Estado?
"(2) Algo como a lei testamentária napoleônica e a destruição da primogenitura."
Convenhamos que Napoleão Bonaparte não era lá o melhor exemplo de voluntarismo.
"[...] (5) Subsídios para fomentar o começo de tais experimentos."
Quem garantirá estes subsídios se não o Estado? É claro que quanto mais voluntário e orgânico for, melhor. Que tanto mais comunitário e mais próximo da vivenda dos cidadãos, tanto melhor! E que mesmo que se envolva o Estado, que quanto mais perto do ente federado próximo ao cidadão (ao invés do governo federal) ocorrer essa intervenção, muito melhor! Mas não dá para cair no conto romântico de que, de repente, todos compartilharão tudo alegremente e saltitantes de felicidade fraternal.

O Estado pode e deve criar um enquadramento jurídico que estimule a própria sociedade a agir de modo distributista, e deve atuar diretamente fazendo a distribuição pela força em último caso, quando não forem possíveis maiores ou melhores resultados de outra forma, sempre visando a justiça distributiva. Socialismo é a totalidade dos bens de capital estarem nas mãos do Estado e não qualquer ação do Estado; caso assim fosse, liberalismo seria socialismo, pois ele baseia-se na destruição de um enquadramento jurídico orgânico e irracional para a imposição de uma ordenação jurídica racional, universalista e burocrática.


Referências:
CHESTERTON, G.K. Um esboço de sanidade. Ecclesiae, 2016
#Arthur Rizzi
- -


Mais uma vez a série “Brasil Paralelo” dá um show de ignorância, burrice, malícia, desinformação e mau caratismo.

Para que fique claro o capítulo 3 da série – Marxismo cultural no Brasil que pode ser assistido aqui – se fundamenta em diversos erros crassos em matéria de história e análise política, cujo único fim é desnortear o público sobre a verdadeira natureza da questão que atinge o ocidente e o Brasil, tecendo críticas ao socialismo mas sem desvendar o que lhe dá base e, ainda, orientando, maliciosamente, os espectadores a um liberalismo sutil.

Vamos aos mesmos:

Minuto 4: faz -se uma referência a dialética hegeliana nos seguintes termos:
(...) o homem vê o mar e intelectualmente ele pode imaginar que a água está fria ou quente; daí ele considera os riscos e benefícios de entrar nele e disso nasce a dialética histórica de Hegel.
Sejam sinceros, senhores: algum de vocês já leu uma descrição tão grotesca da dialética de Hegel? Não, tampouco nós!

A dialética hegeliana tem relação com a razão negativa. O conceito de gato inclui o “não gato”, o ser inclui o “não ser”, a oposição, o contrário. As coisas, para Hegel, são e não são ao mesmo tempo, desde um ponto de vista conceitual. Só podemos conceber um ser a partir, também, do que ele não é. Temos aí uma dialética das idéias e, na história, estas idéias são o fundo do movimento temporal. Um exemplo: Napoleão pensava em termos de expansão das teses de liberdade da revolução francesa. Ele derrubou tronos mas ao custo de impor, aos povos libertos deles, o domínio francês; logo, a liberdade desejada produziu o inverso dela, qual seja, a opressão francesa. Isso trouxe a reação ao poder napoleônico e a derrota de Bonaparte. A tese era a liberdade revolucionária, a antítese a reação absolutista, a síntese, os nacionalismos produzidos pelas invasões napoleônicas: já que é de liberdade que se trata o império napoleônico, então queremos liberdade para nossa pátria sob nossos critérios e não sob os da França, dirão os nacionalistas, levando a história a uma nova etapa fruto do advento de novas idéias.

A descrição do vídeo é completamente sem sentido, não atingindo, nem de perto, o cerne do que é, exatamente, a dialética de Hegel.

Minuto 5: aí se afirma que:
Marx alega que de fato a dialética de Hegel que moveria o mundo é a luta de classes.
Marx jamais disse tal coisa. Marx sabia que a dialética de Hegel não envolvia classes mas as idéias, que seriam a base do movimento histórico. Marx inverte a dialética hegeliana e a lhe dá um novo acento: ele conceberá a mesma sob o signo do movimento ou do processo da matéria; as idéias são fruto das condições econômicas. Já Hegel considerava a dialética independente das condições materiais.

Minuto 5: fala-se de Moses Hess como patrono de Marx mas nada sob sua condição judaica!


Como sempre a olavosfera esconde, propositalmente, o fundo judaico do marxismo. Sobre Moses cabe dizer que foi pai do sionismo e que, antes mesmo de Marx, já vinha teorizando sobre utopia revolucionária com base no messianismo judeu, onde, inclusive, considerava que o sucesso de um movimento proletário e socialista só seria possível com a adesão dos judeus e em cima de uma ideologia fundada em Spinoza – filósofo judeu que foi um dos pais do iluminismo e que via a humanidade caminhando rumo a um novo Éden de liberdade e igualdade.


O Brasil Paralelo simplesmente esconde o fundo ideológico judaico do marxismo. Recordemos o que diz Paul Johnson sobre Marx e o judaísmo em sua obra “História dos Judeus”, páginas 359-360:
Sua maneira de ver a história, como uma força positiva e dinâmica na sociedade humana, governada por leis férreas, uma Torá de ateu, é profundamente judaica. Seu milênio comunista se arraiga...no messianismo judaico. Sua idéia de domínio é a de um catedocrata. O controle da revolução ficaria nas mãos da inteligentsia de elite, que tinha estudado os textos, compreendido as leis da história. Eles formariam o que ele chamava de gerência, o diretório. O proletariado, “os homens se substância”, eram apenas o meio, que devia obedecer...a metodologia de Marx era inteiramente rabínica…a teoria de Marx de como a história, a classe e a produção funcionam...não é diversa da teoria luriânica cabalista da idade messiânica, em especial tal como emendada por Natan de Gaza.
Minuto 6: aí se alega que a teoria do valor trabalho de Marx está errada - mas ela não é de Marx e sim de Smith/ Exaltação da escola austríaca.!

O vídeo em questão deixa clara sua opção: importa defender as bobagens da escola austríaca, escola ultraliberal de economia em contraponto ao marxismo. Num outro momento um jornalista deplora o comunismo por ele ser contra a “liberdade” e a “vida”, concebendo, ambos os termos em sentido iluminista (indivíduo como dotado de liberdade absoluta).

O problema é que a teoria do valor-trabalho não é de Marx mas de um liberal, qual seja, Adam Smith. Ora, Smith assevera que o valor de algo indica o trabalho necessário para obtê-lo. Menger e a escola austríaca admitem que uma coisa pode dar muito trabalho para produzir e mesmo assim não valer nada. Para os austríacos algo só vale se alguém quiser comprá-lo. Entretanto, a pretensa dicotomia entre a tese de Smith e o desejo do consumidor para obter um produto como base real do valor, é uma falsa premissa. Nenhum produtor se dará ao trabalho de produzir uma mercadoria que não seja demandada pelos consumidores. Isto indica que nenhum produtor está disposto a fabricar o que ninguém quer. O trabalho só é ofertado se é demandado.

A teoria de valor na utilidade marginal de Menger, diz que a primeira garrafa de água que você tomar terá um valor muito alto. A segundo, com a mesma quantidade de trabalho da primeira, terá um valor inferior. E assim sucessivamente, até chegarmos a última garrafa, após toda sua sede ser saciada, que terá valor zero. Assim o valor independeria do trabalho que uma mercadoria precisou para ser produzida; se ela não tiver utilidade para ninguém, seu valor será igual à zero.

No entanto os “intelectuais” do Brasil Paralelo mal entendem o cerne da questão, tampouco o que Marx realmente disse sobre a questão do valor trabalho. Existe muita confusão do que de fato é a mercadoria segundo Marx. Imbecis austríacos costumam usar exemplos risíveis como: “Se você achar uma maçã caída de uma árvore, seu valor será enorme e a quantidade de trabalho será zero” ou “O ar não tem trabalho e é de enorme valor”. Em Marx, mercadoria é tudo aquilo que tem trabalho e utilidade – Marx escreveu sobre utilidade. Um buraco cavado no chão tem trabalho, mas não tem utilidade. Um buraco inútil não é mercadoria.


Marx usa um conceito onde define o duplo caráter da mercadoria no capitalismo. Valor-de-uso é como uma mercadoria tem valor em suas características intrínsecas, ou seja, tênis para calçar, água para beber. Já o valor-de-troca é como uma mercadoria não tem valor em si, mas transfere utilidade a outros, em troca de outros valores-de-uso. Ou seja, um vendedor de chocolate não vê utilidade em seus produtos, entretanto ele pode vendê-los para obter coisas úteis a si.


Uma fazenda inexplorada, por exemplo, tem valor-de-troca; só o trabalho do homem nela, gerará alimentos úteis. Em outras palavras, a terra só tem valor porque através dela é possível transformar a natureza, produzir mercadorias e trocá-las por valores de uso e isso só através do trabalho. O valor de uma fazenda virgem também tem trabalho: na descoberta, em seu atestado de que ela é produtiva e na sua comercialização. Em outras palavras, a terra virgem precisa ter valor social para ser vendida. 


A mercadoria tem uma função, o chamado valor-de-uso, ou seja, água para beber, celular para se comunicar, etc. Porém resumir esta relação ao consumidor final e o produto consumido, seria um erro: é este o erro dos austríacos. Nas sociedades reais há compartilhamento de valores e sensos estéticos. Por exemplo: ao comprar um celular posso, subjetivamente, optar pelo celular com certo design que mais me agrade, mas não posso descartar o valor do celular pois hoje o trabalho e a vida social o exigem, é algo posto de fora e desde cima sobre o indivíduo, um valor objetivo portanto. Evidentemente que um celular que oferece um plano de 2 GB é mais valioso que um que ofereça um de 1GB, e esse valor tem a ver com o trabalho necessário para fornecer o serviço de 2GB, maior que o necessário para fornecer o de 1GB.

Outro erro dos austríacos é considerar que a tese do valor trabalho justifica, imediatamente, o marxismo. Isto é falso pois Marx considerou erroneamente a questão do valor como sendo produzido unicamente pelo proletariado. A doutrina social da Igreja resolveu a questão mostrando que o pólo do trabalho nada pode produzir divorciado do pólo do capital. Enquanto os austríacos fazem o valor derivar, totalmente, do desejo individual subjetivo, o que leva a um consequente relativismo moral – já que o indivíduo produz o valor econômico por que não produz, também, todos os outros? - os marxistas fazem-no derivar apenas da classe trabalhadora esquecidos de que o capital gera os recursos necessários para que mercadoria possa ser fabricada: um agricultor precisa das ferramentas fornecidas pelo capital sem as quais não produzirá nada.

Minuto 7: movimento comunista não está baseado em ideologia diz Olavo;


Mas não é fato que todo comunista acredita em revolução comunista e que isso implica igualitarismo? Que ela passa por luta de classes? "Comunismo é cultura" mas ora cultura não tem idéias de base? Não é possível ligar a ideologia de Marx, Marcuse, Gramsci, etc, a um fundo de idéias comuns?

Olavo é um poço de contradição o que fica evidente quando lemos seu comentário sobre o que é marxismo no artigo A teoria econômica de Lord Keynes e a ideologia triunfante do nosso tempo: “A fusão de uma teoria econômica errada com a nefelibática filosofia da história de Hegel gerou um monstrengo teorético eficaz apenas como misticismo ideológico”. Vejam que o artigo deixa bem claro qual a ideologia triunfante atual, que seria o marxismo, de certo modo presente no keynesianismo. Olavo contra Olavo. Ora o marxismo é ideologia, ora não. Afinal, qual Olavo tem razão?

Minuto 8/9: referência aos jovens russos ligados ao movimento comunista


Mais uma vez o Brasil Paralelo desinforma sobre o papel judaico na formação desses núcleos comunistas na Rússia czarista do século 19.


Em relação a isto precisamos ressaltar que em março de 1881, o Czar foi assassinado por revolucionários judeus; o historiador judeu Simon Dubnow informa que, no mesmo ano que se fundou na Basiléia a organização sionista, em Wilno criou-se uma associação socialista – Bund – que teve um papel importante na propaganda revolucionária entre as massas judias que falavam o ídiche. Do Bund nasceram grupos judeus-russos que participaram das agitações revolucionárias em Moscou no ano de 1905. Para se ter um idéia em 1889 o partido social revolucionário, tinha uma seção terrorista sob controle do judeu Gershuni que foi a responsável pelo assassinato do ministro russo Sipyagin, do duque Serguei e do general Dubrassov, etc.


Minuto 10: Holodomor verdade inquestionável (Leandro Ruschel, empresário de Miami)

A questão do Holodomor não é consensual entre pesquisadores de história, havendo muitas discussões sobre o tema, mas é claro que sub intelectuais, como os do Brasil Paralelo não sabem disso.


Sobre o tema o historiógrafo André Liebich diz que:


Liebich: Apesar do Holodomor ser reconhecido como genocídio por mais de 20 países, os académicos internacionais consideram que este não foi um ato com um intuito de exterminar um povo, pois outros países e outros povos foram, também afetados. Uma ideia, defendida, também, por André Liebich, Professor no Instituto de Altos Estudos Internacionais e do Desenvolvimento, Suíça, historiador especialista em países da ex-URSS.

Euronews: O primeiro artigo da lei ucraniana sobre o Holodomor define-o como genocídio do povo ucraniano. É reconhecido como tal em mais de 20 países. No entanto, para muitos, a utilização do termo’‘genocídio” não é o mais adequado. Por quê?

André Liebich: De facto, o termo é mal escolhido. Quando pensamos em genocídio, especialmente no contexto da década de 30, pensamos primeiro no Holocausto. Mas a diferença é que o Holodomor não afetou só o povo ucraniano, afetou também outros povos, no interior da Ucrânia e mesmo fora, como no Cazaquistão e na Rússia. Além disso, o Holocausto foi uma campanha, uma intenção de exterminar um povo, enquanto o Holodomor, se não houvesse milhões de vítimas, o que é indiscutível, não foi planeado com o intuito de erradicar o povo ucraniano. Foi o resultado de uma política desumana e brutal de Estaline, que não hesitou, perante o número de vítimas que iria criar. Mas a sua principal intenção não era eliminar os ucranianos mas realizar o seu programa, custasse o que custasse. Mesmo à custa de milhões de vítimas, especialmente agricultores, que eram, na sua maioria, ucranianos.
(In: pt.euronews.com)
Ademais há que dizer o seguinte: nos anos noventa, em resultado da acumulação de novos conhecimentos aprofundou-se o debate sobre a natureza da fome na Ucrânia. Esse debate foi marcado por diferentes interpretações:


1. A "revisionista" que relativiza a dimensão criminal – linha de Stephen Wheatcroft ou de Mark Tauger;


2. A "nacional",que salienta a especificidade genocidária do Holodomor ucraniano - James Mace, de Yuriy Shapoval ou de Nicolas Werth;


3. A "camponesa" que destaca, numa perspectiva pan-soviética, o uso da fome como "arma política" contra o campesinato – de Viktor Kondrashin ou Georges Sokoloff;


Minuto 11: não havia proletariado na URSS em 1917...a revolução foi feita só por uma elite


Esta é, sem sombra de dúvida, a maior prova da ignorância crassa dos intelectuais do Brasil Paralelo.

O que eram os soviets russos, senão sindicatos que reuniam proletários de São Petersburgo e Moscou?

A Rússia passou, entre meados ao fim do século 19, por um processo de industrialização sob a influência do capital anglo-francês. Isso gerou uma classe operária no país, presente nos grandes centros urbanos.

Isso é tão claro que não precisamos insistir demais para demostrar que tal alegação é pífia.


Minuto 14: a URSS não era a base do movimento comunista mas um órgão dele, diz Olavo.


Faltou, como sempre, dizer quem eram os verdadeiros agentes e pais do comunismo que haviam se servido da URSS.

A participação judaica na revolução russa de 1917 foi notável – havia muitos judeus no alto escalão do Partido Bolchevique. Logo após o triunfo da Revolução, o Partido Comunista criou uma seção dentro de sua organização, a Yevsetskyia, a seção judaica do partido. O objetivo desta organização era mobilizar os judeus do mundo em favor do regime soviético. Após o fim da Segunda Guerra a URSS votou a favor da partilha da Palestina em 1947 e foi o primeiro país a reconhecer o Estado de Israel, acreditando que as lideranças de esquerda (Mapai, por exemplo, de Ben-Gurion) viriam a alinhar-se com a União Soviética contra a influência inglesa na região. A defesa da criação da nação israelense por parte das lideranças soviéticas é explícita. Ademais, a URSS foi o primeiro país a reconhecer Israel, antes mesmos dos EUA, e a pedir troca de embaixadores. As intervenções do embaixador da URSS, Andrei Gromyko, nos debates a respeito da partilha da Palestina foram contundentes:
A delegação da URSS sustenta que a decisão de dividir a Palestina está em consonância com os elevados princípios e objetivos das Nações Unidas. É em consonância com o princípio da autodeterminação nacional dos povos (…) A solução do problema da Palestina com base em uma partição da Palestina em dois estados separados será de profundo significado histórico, pois esta decisão vai atender às demandas legítimas do povo judeu, centenas de milhares, que como vocês sabem, ainda estão sem um país, sem casa, tendo encontrado abrigo temporário apenas em campos especiais em alguns países da Europa ocidental. (…) O fato de que nenhum Estado europeu ocidental tenha sido capaz de garantir a defesa dos direitos elementares do povo judeu, e para protegê-lo contra a violência dos executores fascistas explica as aspirações dos judeus de estabelecer o seu próprio Estado. Seria injusto não levar isso em consideração e negar o direito do povo judeu de realizar esse desejo. Seria injustificável negar esse direito ao povo judeu, especialmente em vista de tudo que sofreu durante a Segunda Guerra Mundial.
O sionismo socialista reinava absoluto na maioria dos partidos nascentes em Israel, ainda que poucos fossem claramente pró-soviéticos.

De fato o comunismo é um movimento que transcende a URSS e que foi, em grande parte, uma organização que vampirizou uma nação em função dos objetivos de uma elite de origens judias. Mas é claro que Olavo jamais vai esclarecer-nos sobre isso.


Quem for minimamente razoável que entenda. O Brasil Paralelo é uma farsa singular.



#Rafael Queiroz
- - -
Eis o modelo civilizacional proposto pelo Brasil Paralelo, um país escravizado pela maçonaria.



Como já foi denunciado por Queiroz em seu artigo, o Brasil Paralelo pelo que podemos ver, de fato, progride para transformar a história norte-americana numa ideia platônica, uma categoria abstrata pela qual a história do Brasil será julgada e na qual deverá se encaixar. A americanização da história do Brasil e o liberalismo de fundo que rege o Brasil Paralelo ficam muito evidentes no episódio três.

O episódio três já começa com um “previously”, e, na sequência, o narrador afirma que é a parte mais importante da “saga”. Por que será? Simples, é a hora de liberalizar e americanizar o Brasil em definitivo. O episódio começa com a jura revolucionária na França, feita pelos Jacobinos. Contrapõem-se nele, a direita (reformistas bonzinhos) e a esquerda (jacobinos malvadões). Os jacobinos, movidos pelo igualitarismo e pela violência, eram inimigos da propriedade privada (o que não é bem por aí...), fonte da civilização e de todos os males. Daí cita-se Diderot, Voltaire e Jean Jacques Rousseau. Ao passo que os girondinos, reformistas, defendiam a liberdade.

Como oposto a essa ideia, claro, é apresentado o “conservador” Locke, de forma que aquilo contra o que a “nova direita americana”, que elegeu Trump, se revolta hoje (a historiografia Whig) passa a ser sacralizada aqui no Brasil. De um lado, a tradição britânica, em perfeita continuidade com a cristandade – segundo o Brasil Paralelo – pois o iluminismo escocês seria seu perfeito e mais lógico desdobramento; de outro, a revolução que quer destruir o ocidente, perfeita ruptura com o passado. Talvez por um lapso ou descuido, após falar que o rei Luís XVI ao convocar a assembleia dos Estados Gerais, viu-se impelido pelo radicalismo a findá-la, os sabichões do programa afirmam que os revolucionários se mudaram para o ginásio ao lado para fazer a jura revolucionária, e que lá estavam os girondinos (equivalentes aos Whigs) e os jacobinos juntos. Mas os girondinos não eram bonzinhos e em perfeita continuidade com a civilização? Não seriam eles meros reformistas como os Whigs ingleses? (Burke era um Whig, não custa lembrar. A ele voltaremos depois). Mistério.

Antes de desmascarar essa lorota, voltemos ao “iluminismo inglês”. É arqui-sabido que a nova direita coloca o iluminismo “moderado” como perfeitamente compatível com a catolicidade e com a tradição escolástica ortodoxa, veja Thomas Woods Jr; em seu livro “The Church and the Market” e em trechos de “Como a Igreja Católica construiu a civilização ocidental”. Falácia, nada mais que uma falácia. Conforme nos mostra Christopher Ferrara em “Liberty, the God that failed: Policing the sacred and constructing the myths of the Secular State. From Locke to Obama”, a “síntese greco-católica” era a base de um raciocínio hegemônico no ocidente, que mesmo com a transição do paganismo para o cristianismo não se perde, apenas funda uma nova estrutura teológica. O hilemorfismo, a teleologia, o realismo e a ideia de valores morais universais que ditam toda a política e a ação humana, continuam presentes. Nas palavras de Ferrara (2012, p.16):
A lógica grega do sistema platônico-aristotélico desenvolveu pela primeira vez na história ocidental, o realismo filosófico, política e ética baseada numa visão de homem como criatura que possui uma alma imortal que habita um universo ordenado, na qual as coisas existem como um objetivo fixado determinado pela sua natureza (tradução livre).
Todos estes elementos estavam presentes nas grandes obras dos filósofos pagãos e que, desvencilhadas do paganismo ganharam nova força sem, entretanto, perder sua essência no cristianismo. Isto é, de Aristóteles a Santo Tomás, de Platão a Santo Agostinho, estará ali a ideia de um universo ordenado, de forma e matéria, acidente e essência, da substância, da realidade como objetivamente cognoscível, bem como a ideia de um summum bonum.

Entretanto, como pontua Richard Weaver em “As idéias têm consequências”, com o nominalismo, a coisa começou a desandar. Porém, não podemos tomar as coisas como se fossem assim tão repentinas, em história nada é repentino. As ideias que enfraqueciam o realismo já estavam em correntes gnósticas anteriormente durante boa parte do medievo, só que sempre limitadas e combatidas pela Igreja. A inquisição, ao perseguir e punir hereges limitava a expansão e legitimidade de tais ideias. Contudo, com a perda de poder e abrandamento da inquisição, bem como o crescimento do humanismo (que como mostrará o professor Orlando Fedeli no “Antropoteísmo” era a gnose no ar, na arte e na cultura), isto levará a influência nominalista, antes combatida e agora tolerada, para dentro dos seminários, onde em Erfurt, um certo monge agostiniano aprenderia as ideias que dividiriam a cristandade, e as pregaria na porta da igreja do castelo de Wittermberg num fatídico 31 de Outubro de 1517.

É um fator importante de se frisar, em que pese o cisma de 1054 ter tido terríveis consequências, ele nunca abalou as bases filosóficas da “síntese greco-católica”; com o protestantismo seria diferente. O nominalismo é a filosofia de base da reforma, onde nenhuma essência é cognoscível e, se ela não existe, é mero flatus vocis. Palavra vazia. Daí não se tornará possível conhecer a natureza das coisas, e, não tendo uma natureza intrínseca, serão puros fenômenos. Deus mesmo, não terá, assim, uma essência cognoscível, logo, o justo não é aquilo conforme a natureza divina, mas sim um ato da vontade arbitrária. Não podendo também aceder-se ao conhecimento de Deus pela razão, visto que as coisas não têm essência, então, cai-se no fideísmo.

A reforma ao criar através das Igrejas nacionais e dos reis que se põem no lugar do Papa, uma intelligentsia secular, leiga, descolada da cristandade, criou o ambiente perfeito para a difusão destas idéias. O curioso é que o Brasil Paralelo em momento nenhum menciona ou aprofunda mais do que de mera passagem a Reforma Protestante como fonte de mudanças profundas na mentalidade europeia e, sobretudo, de uma nova civilização. Então, eis que no Brasil Paralelo episódio três, vem se falar de uma cultura secularizada, como criada pelo iluminismo e antes inexistente. Não, não senhor! O iluminismo, de fato, idealizou uma sociedade laica e a desejou, mas não o foi sem causa e sem precedentes. Sua causa eficiente e sua precedência advém do cisma de Lutero, aí sim, encontramos a secularização. Ora, onde mais se não nas guerras de religião e nas perseguições entre protestantes nascerá o desejo por um Estado laico? E onde nascerá isso se não do outro lado do Atlântico?

E Locke?

Conforme mostrará Ferrara (2011, p.60), Locke, um nominalista, revolucionará a filosofia de duas formas:
Primeiro, ele declara que o homem tem o direito de propriedade “sobre sua própria pessoa”, uma novidade que rompe com a visão tradicional do homem como criação divina, que tem apenas uma custódia sobre o seu corpo, o qual ele não pode dispor dele conforme bem entende. Segundo, ele propõe o direito de propriedade como absoluto.
Mas mais do que isso, Locke é o pai do materialismo cientificista moderno. Todos os clamores de Dennet, Dawkins e outros cientificistas jaziam lá em Locke, em germe. Ora, se as essências não existem ou não são cognoscíveis, não faz sentido falar em “substância” com relação aos entes. E se as coisas não tem substância, ou elas não são cognoscíveis, e portanto, não faz sentido falar em substância para o homem, caindo-se no ceticismo e no materialismo. Seja pela inexistência, seja pelo agnosticismo, essa hipótese levará a consequências práticas idênticas.

Se o homem não tem uma essência, não é possível derivar daí o fim do próprio homem, e assim Locke aboliu a teleologia. A ideia da “síntese greco-católica” de que o homem “habita um universo ordenado cujas coisas têm um fim conforme a sua natureza, a sua essência”, é, assim, destruída. Isso se ligará na epistemologia da “tabula rasa” ao conceito moderno de liberdade, como sendo a pura ação descolada da lei divina e natural conforme sua concepção clássica. Afinal, se o justo e o bom são obras de puro voluntarismo divino, não derivando, portanto, da natureza divina, nem o bom, de acordo com cada ente deriva da finalidade que Deus deu à sua criatura na sua própria natureza, então não existe o fim último de cada coisa, fim este que legitimará ou não o ato livre.

Contudo um ponto letal do raciocínio Lockeano encontra no fideísmo protestante a sua fundamentação. Ora, se Deus não é racionalmente compreensível, cognoscível, então, só podemos crer nele por um ato de fé pura e simples. Contudo, com uma cultura que não é censurada pela inquisição e por uma ortodoxia como era a medieval, agora, as opiniões se secularizam, e Locke dará a marretada definitiva no hilemorfismo ao afirmar no seu “Ensaio sobre o entendimento humano”, de que o homem não é união de forma e matéria, e que o “self”, o “Eu”, seria apenas uma propriedade da matéria, do cérebro (Dawkins e Denett na área?), ora, não seria o ceticismo a “genetrix” do naturalismo?

Ei-la aí, a raiz dos movimentos progressistas modernos, como o abortista, por exemplo. Afinal, se “homem” é apenas um nome que damos a uma coleção de atributos perceptíveis; se “homem” não é uma substância, uma unidade de corpo e alma divinamente criada com uma natureza e fins fixados por Deus; se o homem é apenas matéria com uma qualidade que é “pensar”, então, quem poderá dizer que um feto é um ser humano no útero da sua mãe com direitos? Mesmo para os clérigos anglicanos, isso foi considerado escandaloso àquela época. Então, se Locke em continuidade com uma tradição reformada, só que secularizada, escandalizava os calvinistas, quão mais revolucionário não será ele em relação à catolicidade? Do fideísmo ao ceticismo de Hume e Locke há apenas um passo de distância. Todas essas ideias já estavam presentes no “cogito cartesiano”, é verdade, e como o próprio Olavo de Carvalho nos apresenta em “Visões de Descartes” (autor inquestionável para a turma do Brasil Paralelo), as ideias protestantes tinham muita influência sobre René Descartes, uma das razões dos pesadelos com o gênio mau, inclusive. Contudo, para ser mais ortodoxo quanto às fontes, cito o grande tomista brasileiro Perillo Gomes:
Tratando das suas origens, Pio IX é categórico no Syllabus, na infomação que nos dá: essas liberdades provem de teses fundamentais da revolução luterana e propagaram-se pelo mundo graças aos pseudo-filósofos da enciclopédia no século XVIII e triunfaram com a revolução francesa. Se desejar investigar sua origem mais remota chegar-se-á ao ponto inicial de todas as negações e de todas as revoltas: o grito de soberba de um anjo rebelado.
O iluminismo “moderado”, como visto em Perillo, é filho do protestantismo, e como colocará Ferrara, não passa de uma revolução tanto quanto o radical francês. O primeiro, radical nas ideias, pragmático na ação; pois se não há substâncias, não podemos dizer com precisão como as coisas são, melhor que elas mudem sozinhas na história, pois sem essências tudo é acidente e tudo muda. O segundo, radical nas ideias e nas ações, queria por uma exacerbação da racionalidade e pelo essencialismo, derrubar tudo e reerguer do zero.

É natural, portanto, que o processo de secularização leve aos conceitos básicos da soberania do indivíduo, em germe em Lutero e seu livre exame, que é a raiz do pensamento liberal, dado em Locke, e também presente em Hobbes, que embora absolutista pode ser chamado de ilustrado. Aliás, cito novamente o grande Perillo: “Os princípios liberais são: a soberania absoluta do indivíduo, a soberania absoluta da sociedade, a soberania nacional, a liberdade absoluta de imprensa e a liberdade absoluta de associação”, e eu complementaria, a completa liberdade de mercado, a liberdade absoluta de ideologias, conteúdo do pluralismo político, etc. Logo temos, política sem moral e sem virtude, economia sem moral e virtude, jornalismo sem moral e virtude, etc.

Ou seja, quando Morgerstern, a olavette processada por Caetano diz: “Esquerda é isso”, referindo-se aos jacobinos, temos que realmente nos perguntar se isso não se aplica ao girondinos também, afinal segundo o próprio Olavo de Carvalho, guru do processado, em seu artigo zombando do bobalhão liberal Rodrigo Constantino, diz: “Os girondinos, dos quais os liberais modernos se apresentam como herdeiros ideológicos, foram os primeiros a pregar a matança como panacéia revolucionária para os males da França[1].” Na prática, como eu já venho dizendo, todo conservador-liberal é um revolucionário superado pelo processo revolucionário.

Bonifácio, Revolução Americana Conservadora (?)

A expressão founding father utilizada nos Estados Unidos, é usada nesse episódio duas vezes, uma para se referir a José Bonifácio de Andrada e Silva e na outra a Visconde de Cairu. Ora, isso é ou não é já a americanização do debate historiográfico acerca das origens do Brasil? Categorias americanas bem restritas, passam a ser as medidas de comparação com a história brasileira! Como já citado, Christopher Ferrara irá mostrar, demolindo completamente a falácia Kirkeana de que a revolução americana fora uma revolução conservadora, o caráter claramente subversivo da revolução, marcada por manipulação da opinião pública através da imprensa da época (herdado da reforma protestante que se valeu do mesmo artifício, tal elemento foi utilizado para propagar factoides sobre a "violência" dos ingleses e sobre o "papismo" do rei George); não custa lembrar que “papista” como acusação e adjetivo pejorativo apareceu pela primeira vez nos escritos de Lutero como “Do Cativeiro babilônico da Igreja”, e os revolucionários americanos usaram também de denúncias hipócritas sobre a carga tributária supostamente opressiva da Coroa Britânica. A própria ideia de que a justiça de um imposto depende da representação, aparece pela primeira vez em Locke, mas não tem qualquer fundamento no pensamento filosófico tradicional. Soberania popular e voluntarismo?

Se a revolução americana é tão conservadora, por que ela era, antes de tudo, anti-Católica? Por que John Adams temia como ao demônio os direitos e a influência da Igreja em Quebec? Ao identificar o rei George III como um “papista”, eles queriam dizer o quê, se não a união entre o poder temporal e o poder eclesiástico previsto na doutrina dos dois gládios? O Brasil Paralelo argumenta que não há ligações entre a revolução americana e a francesa nos fundamentos e na prática, resta saber como separar James Maddison e Thomas Jefferson de suas influências que vem de Voltaire e dos enciclopedistas? Como negar que o braço direito de George Washington, Thomas Paine achou justa a remoção e assassinato de Luís XVI, mesmo sendo um “rei moderado”, pelo simples fato de ser um rei? Para Paine, a monarquia é inerentemente injusta e deve ser eliminada onde quer que ela exista. Como diferenciar essa afirmativa da mesma dos Jacobinos, que segundo William Doyle (1991, p.15) em “O Antigo Regime”, de que o objetivo dos revolucionários envolvia derrubar todas as monarquias do continente?
O "feudalismo" deveria ser destruído; e as terras da Igreja confiscadas. Em outras palavras, o Antigo Regime passava a ser encarado como um fenômeno não simplesmente francês. Podia ser encontrado onde quer que houvesse reis, nobres, privilégios, feudalismo e propriedades eclesiásticas. E isto representava a maior parte da Europa.
O próprio Rothbard, libertário, chama a atenção que a revolução americana provocou mais refugiados em proporção dos habitantes do que o Terror jacobino. Como pode isso não ter ligações com a doutrina francesa? Por que, como Chesterton notou, um dos grandes defensores da Revolução Americana, Edmund Burke, adota o evolucionismo e o ceticismo de Hume como defesa da Tradição e não o direito natural clássico, já que ele estaria em plena conformidade com a cristandade? Por que não se usou o direito natural clássico para coibir os abusos da doutrina de Robespierre baseada numa distorção do jusnaturalismo? Será porque Hume, outro nominalista, o guilhotinou?

O próprio George Washington havia dito, pouco antes da revolução que o rei George III não era um tirano, mais do que isso, que era “o melhor dos reis”. Aliás, a historiografia contemporânea mesmo nega a hipótese de tirania; se a Revolução Francesa e Americana foram alguma coisa, elas foram mera agitação ideológica com drásticas consequências, e o seu fruto foi semente da república imperial, liberal, laica da moral civil a qual Olavo, mentor dessa turma, denuncia no seu “Jardim das Aflições”, livro que hoje ele nega a validade das conclusões, mas que é seu magnum opus, e ao qual todos os americanistas louvam, paradoxalmente. A constituição americana, cujo Deus é o GADU da maçonaria, era razão de escândalo mesmo para calvinistas, que diziam ser ela: "the godless constitution". Foi a National Reform Association, inclusive, que tentou em vão emendar a Constituição com uma menção explícita a Deus e a Jesus Cristo.

Acresça-se a isso, os sacrifícios rituais de tendência gnóstica nos “liberty poles” e “liberty trees” ocorridos no período da revolução americana, onde inimigos da revolução eram forçados a jurar lealdade a mesma, sob a pena de serem mortos ali em sacrifício a deusa Libertas. É essa sociedade gnóstica e violenta que é modelo? É essa sociedade que privatiza a fé que é o parâmetro para um país que nasceu pela fé Católica, pelo altar e pelo trono? Ora, é novamente Perillo quem vai nos explicar o que é esse modelo liberal-americano em face da tradição católica, vejamos com ele se ela é conservadora:
O liberalismo radical (NdT: jacobinismo) é ostensivamente ateu, anticlerical, demagógico e revolucionário. Como expressão política proclama a supremacia do estado sobre o indivíduo e as corporações de qualquer natureza. O liberalismo moderado (NdT: ou conservador) tenta uma fórmula de conciliação entre os princípios do liberalismo radical e a coexistência do sobrenatural, determinando na vida do homem um dualismo fundamental: de um lado as atividades da fé e de outro as cognoscitivas, cívicas, utilitárias, etc. A razão, portanto, nada tem a ver com a revelação; os dois planos da vida, o natural e o sobrenatural são independentes entre si, como dois departamentos estanques. (NdT = Nota do Transcritor)
Prossegue Perillo:
Sua fórmula política é a igualdade entre os poderes espirituais e temporais, essa pretensa igualdade em si mesmo já é uma heresia. Não é possível nivelar a vida religiosa, que interessa a vida futura do homem - sua vida verdadeira - àquela a que estão confiados apenas os seus interesses imediatos, tangíveis, transitórios. Além disso, essa declaração de igualdade é puramente teórica, não corresponde à realidade, porque não podendo existir dois poderes autônomos, absolutos, interessando ao mesmo indivíduo, daí resulta que na prática o Estado, sob alegação de que lhe cabe a função de mantenedor da ordem, impõe a Igreja as soluções que bem lhe parecem. Daí os conflitos que se verificam entre a Igreja e as liberdades modernas.
Como podemos ver, a historiografia Whig do Brasil Paralelo simplesmente segue a lógica Lockeana, e demole a Cidade de Deus da qual falava Santo Agostinho. Como podem homens que querem recuperar a história do Brasil, um país mercantilista, miscigenado e católico, o fazerem sobre bases liberais, segregacionistas e protestantes? Não podem, não tem como, e o resultado é isto... Propaganda. O Brasil Paralelo não passa de pura empulhação ideológica no que se refere a fazer um recorte de fundo para narrar a história do Brasil. Como eu disse de começo em artigo prévio, o programa tem o mérito de fazer uma história patriota, o que para um público leigo é aceitável. E eu acredito na História como magistral vitae, assim como Cícero. Mas não é necessário distorcer a história, inventá-la, mentir e omitir.
Síntese escolástico-liberal e católico-maçônica.

Qualquer conciliação entre a síntese católico-maçônica de Bonifácio e escolástico-iluminista como a de Cairu (se é que tal junção existe), mencionada aos 37:47 do episódio, não passa de heresia, as velhas heresias nominalistas ressuscitadas pela equipe do Brasil Paralelo. As mesmas heresias que o Papa São Pio X irá condenar sob a alcunha de modernismo; afinal, o que é o americanismo e o catolicismo liberal se não modernismo? Os católicos que não se enganem, nada há de católico e “conservador” no Brasil Paralelo. Só é possível adotar um escolasticismo liberal caindo em heresia, então católico, escolha: a cidade de Deus ou a cidade dos homens?

Aos homens do Brasil Paralelo, pergunto-vos: (pois sei que muitos ali se dizem católicos) quem sois vós? católicos ou hereges? a Igreja ou o liberalismo? ESCOLHAM!


#Arthur Rizzi
- -