Consideramos a Monarquia Tradicional, tal como existiu um dia na França dos Estados Gerais, no Portugal e na Espanha das Cortes, na Inglaterra do Parlamento e na Alemanha da Dieta, a mais perfeita dentre as formas de governo. Julgamos, portanto, que o Príncipe deve reinar e governar, tendo, porém, seu poder concretamente limitado pelas Assembleias. A estas, constituídas pelos representantes eleitos dos Corpos Intermediários, dos Grupos Naturais componentes da Sociedade, deve caber a administração dos negócios do Estado.
Estamos, pois, de acordo com Santo Tomás de Aquino, que, em Do governo dos príncipes, tendo em vista tal tipo de Monarquia, a denominada Monarquia Temperada, afirma ser a Monarquia, isto é, o governo justo de um só, a melhor das formas de governo [1], ressaltando que “as províncias e cidades governadas por um só rei, gozam de paz, florescem na justiça e alegram-se com a opulência” [2].
Ainda na referida obra, pondera o Aquinense que a Monarquia, ainda quando decaída, é a melhor das formas de governo [3] e que o governo de um só se corrompe menos facilmente em tirania do que o governo de muitos [4].
Também na Suma Teológica defende o Doutor Angélico a superioridade da Monarquia Temperada, ou Regime Misto:
A boa ordem governativa de uma sociedade requer duas condições. A primeira é que todos tenham uma parte no poder, visto ser garantida assim a paz do povo e toda gente estimar e defender esta organização. Além disso, que um só homem seja estabelecido no poder e presida a todos, tendo abaixo dele alguns homens que dirijam em razão de seu valor e que sejam eleitos de entre todos ou que ao menos todos possam elegê-los [5].
Referindo-se ao Regime Misto, à Monarquia Temperada de Santo Tomás, Marcel Demongeot sublinha que se o autor da Suma contra os gentios “pôde achar naquela época, na sua época, alguma contribuição à teoria do regime misto, foi menos nos teólogos, seus mestres, que nas instituições e mormente nos grandes princípios mais ou menos difundidos que constituíam o direito público daquele tempo”. No que diz respeito ao espírito do regime misto, “nenhuma época o realizou tão perfeitamente” quanto aquela. Tendo em vista particularmente as afinidades existentes entre a concepção do regime misto e o espírito do Cristianismo, não se ficará, como aduz o pensador francês, “surpreendido de ser santo o rei que melhor o encarnou. São Luís, com efeito, mais que nenhum rei, soube realizar aquela perfeita ponderação dos poderes, aquela colaboração e unidade que constituem o regime misto” [6].
Dante Alighieri pondera, na obra Da Monarquia, considerada por José Pedro Galvão de Sousa “o canto de cisne do pensamento medieval” [7], que “o gênero humano é mais bem governado por um do que por muitos, isto é, pelo Monarca, que é o único príncipe. Se esse regime é o melhor, é o mais agradável a Deus, pois Deus quer aquilo que é melhor. Quando somente duas possibilidades se acham em presença, o comparativo confunde-se com o superlativo; assim, pois, quando se trata da unidade ou da pluralidade dos chefes, a unidade, aos olhos de Deus, não se deve chamar somente de melhor, mas sim, de excelente. Donde se chegue que o gênero humano goza de uma boa organização quando é governado por um só” [8].
Na referida obra, o autor da Divina Comédia e do Convívio ressalta que é sintomático o fato de que Jesus Cristo, o Deus-Filho, que se fez Homem para salvar o Homem, esperou para vir ao Mundo o momento em que este se encontrava “universalmente em paz, salvo sob o divino Augusto monarca, quando existia uma Monarquia perfeita”, como o testemunharam “todos os historiadores, todos os poetas ilustres, e mesmo o testemunho de bondade de Cristo” [9].
Foi o tempo de Augusto, como é sabido por todos, o apogeu de Roma e de sua portentosa Civilização, que teve, sob a Monarquia [10], toda a ordem e o progresso que haviam faltado, em diversos momentos, durante a chamada República e particularmente nos últimos anos desta, em virtude de o poder estar dividido entre muitos, o que, aliás, levara ao surgimento de diversas tiranias. Isto porque, como demonstra Santo Tomás, em Do governo dos príncipes, o governo múltiplo descamba mais facilmente na tirania do que a Monarquia [11], do mesmo modo que a liberdade excessiva leva à tirania [12], tese que, com efeito, Plínio Salgado, magno doutrinador tradicionalista, patriótico e nacionalista brasileiro, desenvolveria em artigo intitulado Liberdade, caminho da escravidão, publicado no jornal A Razão e transcrito na obra O sofrimento universal, de 1934 [13], e em O pensamento revolucionário de Plínio Salgado, magnífica antologia do pensamento do autor de Espírito da Burguesia realizada por Augusta Garcia Rocha Dorea [14].
Com efeito, tendo em vista a superioridade da Monarquia em face do governo múltiplo, o Aquinense ressalta que “há terminado em tirania quase todo governo de muitos, como se patenteia na república romana, a qual, como tivesse sido longo tempo administrada por muitos magistrados, despertando muitos ódios, dissensões e guerras civis, veio a cair sob os tiranos os mais cruéis” [15].
Isto posto, cumpre ressaltar que a República não é necessariamente ruim, havendo, na História, exemplos de diversas repúblicas que permaneceram fieis à Tradição e promoveram a Ordem e o engrandecimento do Bem Comum. Dentre estas repúblicas, que foram, mais propriamente, regimes mistos, sínteses da Monarquia, da Aristocracia e da Politeia, podemos mencionar as de Gênova, Pisa, Florença, Siena, Ancona, Ragusa e, é claro, a mais gloriosa de todas elas, a Sereníssima República de Veneza. Esta foi durante séculos a potência dominante no Adriático e no Mediterrâneo, possuindo por muito tempo a maior e mais poderosa marinha da Europa e, graças a suas magníficas instituições e sob as bênçãos do Apóstolo São Marcos, o Evangelista, cujas relíquias guarda, dilatou a Fé e o Império, muito contribuindo para a grandeza da Cristandade.
O Papa Leão XIII preleciona, na Encíclica Diuturnum Illud, de 1881, que “não há razão para que a Igreja não aprove o principado de um só ou de muitos, contanto que seja justo e atenda ao bem comum. Portanto, salva a justiça, não se proíbe aos povos de adotarem o sistema de governo que melhor convenha a suas índoles próprias ou às instituições e costumes de seus maiores” [16]. No mesmo sentido, aduz o referido Pontífice, na Encíclica Immortale Dei, de 1885, que nenhuma das diversas formas de governo é de si condenável, pois nada têm elas “que repugne à doutrina católica, e podem mesmo, se postas em prática com sabedoria e justiça, assegurar uma ótima e estável ordem à sociedade” [17].
Faz-se mister assinalar que Leão XIII haveria sido um dos maiores papas mesmo que nos houvesse legado tão somente as supracitadas encíclicas, bem como, é claro, as encíclicas Aeterni Patris [18], de 1879, que marcou o início do grande renascimento da Filosofia Tomista, e Rerum Novarum [19], de 1891, marco inicial do igualmente grande renascimento da Doutrina Social Católica, que teve como prenúncio a luta de homens como o Marquês de la Tour Du Pin, Albert de Mun, Juan Vázquez de Mella e o Barão Karl von Vogelsang, pela instauração da Economia e da Sociedade corporativas e contra o capitalismo liberal e seu filhote, o socialismo.
Como afirma o supramencionado Romano Pontífice, cada povo deve adotar o sistema de governo que convenha de forma mais adequada a seu Espírito e à Tradição legada por seus maiores. Ora, sendo o Brasil inegavelmente um Império e sendo monárquico o seu Espírito Nacional e a sua Tradição, deve ter ele um governo monárquico. Devemos, pois, manifestar o nosso integral repúdio a esta “nossa” República inautêntica, antinacional e antitradicional, cópia mal feita de modelos surgidos a partir da “Reforma”, do “Iluminismo” e do Enciclopedismo, isto é, das ideologias que há séculos desgraçam o Mundo, nele havendo implantado o Império de Calibã, a nefasta civilização da técnica, do ouro e do número, onde a tirania dos “déspotas esclarecidos” de ontem cedeu lugar àquela dos banqueiros de hoje. E devemos, por conseguinte, lutar para que a República, nascida de um golpe militar desferido à revelia do nosso povo e contra a Nação Profunda, Verdadeira e Autêntica e as suas mais lídimas tradições, um dia caia finalmente “por terra, para a confusão de quem concebeu tão horrorosa ideia”, conforme um dia previu António Conselheiro [20].
É imperioso pugnar pela instauração de uma Monarquia Tradicional, social, popular e orgânica em nosso Brasil, pois todos aqueles que conhecemos a verdadeira e magnífica História deste vasto Império temos consciência de que nele não há que se falar em patriotismo sem antes se falar em Monarquia, de sorte que fazemos nossas as palavras de António Sardinha, principal doutrinador e líder do movimento tradicionalista, patriótico e nacionalista a que denominamos Integralismo Lusitano, que certa feita escreveu: “Nós não somos patriotas por sermos monárquicos. Somos antes monárquicos por sermos patriotas” [21].
Em uma palavra, a Tradição Brasileira é essencialmente monárquica e o Brasil somente cumprirá integralmente a sua missão histórica quando tiver restaurada a Monarquia, pois, como afirma José de Alencar, que não foi tão somente um grado romancista, mas também um pensador, político e jurista de inegável valor, “a Monarquia é não só uma instituição tradicional no Brasil como é uma instituição de raça” [22].
Com efeito, a Monarquia Tradicional é a forma de governo que mais se aproxima da Constituição Natural e Histórica da Sociedade Brasileira, Constituição esta que não se confunde com nossa Constituição escrita e que João de Scantimburgo define como o “conjunto de instituições histórico-tradicionais que regularam no passado e devem regular no futuro a vida nacional” [23].
É mister que todos saibam que o 15 de novembro de 1889 não foi senão um golpe de Estado desferido à revelia do povo brasileiro e que, como bem demonstra Oliveira Vianna, a relevância política e a penetração das ideias republicanas em nossa Sociedade era mínima até aquela data infame [24].
Como bem ressalta o Conde de Afonso Celso, do fato de a República haver sido implantada por meio de um golpe criminoso resultam os fatos de ter sido esta rejeitada “por parte de tantos distintos patriotas” e “em magna quantidade os males produzidos por ela”. Consoante aduz o grande pensador e líder monárquico, católico, patriótico e nacionalista brasileiro, a República “começou mal, trazendo em si o gérmen da morte; começou pela traição, pela violação de princípios que não perdoam violações”. Ainda segundo observa o nobre companheiro de ideiais de seus contemporâneos Eduardo Prado, Carlos de Laet e Felício dos Santos, todos, assim como ele, vultos insignes do pensamento tradicionalista pátrio, se a República era verdadeiramente a aspiração do povo brasileiro [o que certamente não era], “não houvera sido difícil consegui-la de maneira nobre, e de consequências menos funestas para o Brasil, como se conseguiu a abolição” [25].
No mesmo sentido, frisa o Visconde de Taunay que no dia 15 de novembro principiou a “paródia ridícula e sanguinária do regime democrático”, que não foi senão “imposição e partilha de um grupo mínimo no seio desta grande nação, misto de pedantesca ciência e teorias repelidas pelo bom senso, com exclusão absoluta da vontade e do voto do povo” [26].
O alheamento do povo em relação ao supracitado golpe foi, aliás, reconhecido por um dos mais ardorosos líderes republicanos, o Sr. Aristides Lobo, quando este escreveu que o povo assistira àquele episódio “bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava” [27].
Ninguém, porém, resumiu o 15 de novembro melhor do que Plínio Salgado:
Em 1889, sem que tivesse havido qualquer eleição ou consulta ao povo brasileiro, a guarnição do Exército da capital do Império, tendo à frente o Marechal Deodoro da Fonseca, destronou o nosso velho imperador, embarcando-o à força no paquete Alagoas que o conduziu, com sua família, para o Exílio, onde veio a falecer após cinquenta anos de serviços prestados à Pátria. O Partido Republicano era, entretanto, uma escassa minoria em todo o território nacional [28].
Isto posto, registre-se que a causa republicana no Brasil foi, desde o princípio, obra das sociedades secretas antitradicionais e antinacionais, inimigas figadais do Trono e do Altar, as quais jamais permitiriam que o Império fosse governado pela Princesa Isabel, que, assim como o marido, o Conde D’Eu, era católica apostólica romana na plena acepção do vocábulo e profundamente consciente do mal que representavam, para o Brasil, as supracitadas sociedades.
É mister que todos tenham consciência de que, como sublinha Arlindo Veiga dos Santos, assinalado arauto e poeta de uma Pátria Nova, em Ideias que marcham no silêncio: “A ORIGINALIDADE POLÍTICA BRASILEIRA NA AMÉRICA É A MONARQUIA, O IMPÉRIO”, sendo tudo o mais “ARREMÊDO E FALSIFICAÇÃO, IGNORÂNCIA HISTÓRICA DE INEPTOS, PARA NOS DESNACIONALIZAR, ENFRAQUECER, INFELICITAR, ANULAR E DESTRUIR” [29]. Ainda na referida obra, o criador e Chefe Geral do Patrianovismo, sã Doutrina tradicionalista, patriótica e nacionalista que prega a regeneração e renovação do Brasil e do Estado Brasileiro segundo a Igreja e a Tradição Integral da Nação, pondera que “nossa gloriosa originalidade nas Américas era o sermos Monarquia, o sermos IMPÉRIO” e que nossos irmãos da América Espanhola lamentam, “desde 1889, o nosso rebaixamento artificial ao primarismo antinacional republicano”, posto que “todos eles quiseram, desde o início, ser monarquias e não o puderam” [30].
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Voltemos, porém, à Monarquia Tradicional. Nela, conforme afirmamos, o Soberano reina e governa, tendo, contudo, seu poder concretamente limitado pelas Assembleias, compostas pelos representantes eleitos dos Grupos Sociais Naturais. Monarquia da Realeza e das Cortes Gerais, inspirada nos salutares preceitos da Igreja e apoiada na Tradição é, sem dúvida alguma, a forma de governo em que a Sociedade se vê melhor representada, sendo, com efeito, também denominada Monarquia Representativa.
Neste sentido, o assinalado pensador e homem de ação tradicionalista Vázquez de Mella, mais importante pensador político espanhol do século XIX ao lado de Donoso Cortés, doutrina que a Monarquia Tradicional, com os Concelhos, as Comunidades e Irmandades, as Juntas e Deputações forais, as Cortes dos distintos reinos, condados e senhorios, se constitui no “organismo tradicional que sobre o solo da pátria foram levantando as gerações”. Apoiada na Tradição, “que é o sufrágio universal dos séculos”, esta Monarquia, ainda segundo o grande mestre do Tradicionalismo Hispânico, “se funda no direito cristão e na vontade nacional, que não é a móvel e arbitrária opinião de um dia, mas o voto unânime das gerações unidas e animadas pelas mesmas crenças e idênticas aspirações” [31].
Como preleciona António Sardinha, na extensa introdução às Memórias para a Teoria e História das Cortes Gerais, do segundo Visconde de Santarém, na Monarquia Tradicional, o Rei governa e a Nação se administra. Como frisa o autor de Ao princípio era o Verbo, nesta forma de governo, o Rei governa, “efectuando pela distribuição da justiça e pela defesa do solo a unidade necessária à segurança de todos”, e a Nação se administra, “realizando a multiplicidade dos seus interesses na multiplicidade dos vários órgãos” que legitimamente os exprimem [32].
Na Monarquia Tradicional, a autoridade real somente intervém na hipótese de alguns desses organismos se chocarem ou de invadirem a órbita dos demais, de modo que, uma vez “obtida a equação indispensável à economia do grupo, a actividade do Rei” deve reentrar “logo na sua esfera própria” [33].
A Monarquia Tradicional é caracterizada pela descentralização administrativa e pela centralização, ou concentração, política [34], e, como preleciona Rafael Gambra, não é apenas tradicional, isto é, identificada “com esse processo tradicional que constitui a vida da pátria”, ou melhor, que constitui, no aspecto político, sua própria substância”, representando o arraigo e a continuidade frente à improvisação e a instabilidade” [35], mas também hereditária [36], federal ou foralista [37], representativa [38] e, é claro, social, qualificativo que, de acordo com o ilustre pensador tradicionalista, é o que mais convém a tal forma de Monarquia [39].
Isto posto, faz-se mister assinalar que o termo “social” se refere a uma coexistência de sociedades e instituições autônomas intermediárias em face do Estado [40], sendo, com efeito, programa primordial da Monarquia Tradicional a restauração da Sociedade “com seus órgãos naturais e sua vitalidade interior” [41]. Esta não é senão a tese denominada corporativa e orgânica e que, na opinião de Gambra, encontrou em Vázquez de Mella seu expositor “mais profundo e coerente” [42] e que é a tese da verdadeira Doutrina Social da Igreja e dos tradicionalistas autênticos d’aquém e d’além mar, de Plínio Salgado a António Sardinha, de Arlindo Veiga dos Santos a Francisco Elías de Tejada, de José Pedro Galvão de Sousa a Hipólito Raposo, de Heraldo Barbuy a João Ameal, de Gustavo Barroso ao Conde de Monsaraz, de Tasso da Silveira a Víctor Pradera e assim por diante.
Volvamos, porém, ao caráter tradicional da Monarquia. Como sublinha Maurras, no Inquérito sobre a Monarquia:
“A realeza deve ser tradicional: há justamente uma orientação toda nova dos espíritos, favorável à tradição nacional e, como diz Barrès, às sugestões da nossa terra e dos nossos mortos” [43].
No que respeita ao conceito de “tradição nacional”, esposado não apenas por Maurras, mas também pela absoluta maioria dos grandes vultos do pensamento católico tradicional, cumpre assinalar que tal conceito nada tem de absurdo, ao contrário do que julgava René Guénon [44], que, lamentavelmente, parece estar sendo mais seguido hoje pela maior parte dos ditos católicos tradicionais do que os magnos mestres do pensamento católico tradicional, todos eles defensores da Nação e do nacionalismo sadio, justo, equilibrado e ponderado, tendente ao universalismo e considerado a “armadura do patriotismo” por Yves de la Brière [45]. Com efeito, a ideia de Nação, que surgiu na Idade Média, nada tem de antitradicional, antes pelo contrário, como comprova o clássico exemplo de Portugal, que surge como Nação em pleno século XII, sob o signo da Tradição.
A Monarquia deve ser, enfim, tradicional, isto é, identificada à Tradição, cadeia sagrada que liga o Homem a seus maiores e seus descendentes, patrimônio que o Homem herda de seus antepassados e que deve legar, aprimorado, a seus filhos.
A Monarquia deve ser, também, hereditária, uma vez que o regime hereditário, que é o regime tradicional por excelência, representa o repúdio ao nefasto domínio das ideologias e a plena aceitação da Ordem Natural na Sociedade e em sua evolução [46].
A Monarquia deve ser, portanto, hereditária como a Família, fundamento da hereditariedade e baluarte da Tradição, sem a qual, aliás, não pode mesmo sobreviver.
Donoso Cortés, com efeito, ao tratar da Monarquia Tradicional, que, na célebre Carta ao diretor da “Revue des Deux Mondes", não vacila em qualificar como “o mais perfeito de todos os governos possíveis” [47], ressalta o seu caráter hereditário ao ponto de denominá-la tão somente “monarquia hereditária”, assim se exprimindo na referida carta, que data de 15 de novembro de 1852:
A Monarquia hereditária, tal como existiu nos confins que separam a Monarquia feudal e a absoluta, é o tipo mais perfeito e acabado do Poder político e das hierarquias sociais. O Poder era uno, perpétuo e limitado; era uno, na pessoa do rei; era perpétuo, em sua família; era limitado, porque em qualquer parte encontrava uma resistência material numa hierarquia organizada [48].
A Monarquia deve ser, ademais, como pondera Rafael Gambra, federal ou foralista, para que as Províncias e as Municipalidades tenham relativa autonomia, sendo dotadas de dinamismo próprio [49].
Isto posto, insta sublinhar que o federalismo de que fala o autor de O silêncio de Deus nada tem que ver com este federalismo inautêntico, importado para o Brasil por copiadores do modelo dos Estados Unidos da América que sequer perceberam que o sistema federativo norte-americano, produto de uma realidade totalmente distinta da nossa, sempre teve o propósito de centralizar e não de descentralizar, de conferir unidade ao que antes era vário, não sendo necessário para o Brasil, onde, graças à Monarquia e ao Império, a unidade nacional sempre fora uma realidade.
Cuidamos, com efeito, que um dos mais graves erros da República, presentes desde a Constituição de 1891, cópia mal feita da Constituição dos Estados Unidos da América e redigida por Rui Barbosa, foi o de haver implantado, no Brasil, este federalismo inautêntico, contrário ao federalismo autêntico e tradicional, também denominado foralismo. Este, derivado do corporativismo orgânico, a que Vázquez de Mella denomina sociedalismo [50], se constitui em uma forma de união de agrupamentos tendo em vista a realização de objetivos comuns e pautada no respeito à autonomia das partes integrantes [51], significando que o corpo social integral, constituído ao longo das gerações, é formado de corpos sociais autônomos, os Grupos Naturais, dos quais o primeiro é o Município. Este, que é a cellula mater da Nação e, como aduz Santo Tomás de Aquino, a comunidade perfeita [52], é a base do federalismo autêntico, a que muitos, a exemplo de Plínio Salgado, denominam municipalismo, termo que também preferimos.
A Monarquia deve ser, por fim, representativa, sendo seu caráter representativo decorrente da autonomia social. Aliás, como frisa Rafael Gambra, a representação dos corpos intermediários ante o Rei, é consubstancial com o regime sociedalista, de maneira tal que aparece desde os albores da evolução deste em todos os meios em que este um dia existiu [53].
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Muitos têm confundido a Monarquia Tradicional com a Monarquia Absoluta. São estes, em geral liberais endeusadores do sufrágio universal e do parlamento, que acusam os adeptos da Monarquia Tradicional e do Poder Pessoal do Monarca, tais como os miguelistas e integralistas lusitanos, os carlistas espanhois e os patrianovistas brasileiros, de defensores da Monarquia Absolutista.
É forçoso sublinhar, contudo, que este é, sem dúvida alguma, um absurdo equívoco, posto que não há forma de governo tão distinta da Monarquia Tradicional, lídimo produto da Civilização Cristã, quanto a Monarquia Absoluta, filha do “Renascimento” e do racionalismo e precursora da liberal-democracia, alicerçada no mito da soberania popular, e da ditadura “proletária”, fundada no mito da redenção da Humanidade pelo proletariado, a um só tempo povo eleito e messias do “paraíso terreno” que seria o comunismo.
Como bem ressalta António Sardinha, há profunda identidade entre “o dogma da vontade suprema do monarca e o dogma supremo da soberania do povo”, ambos derivados da “concepção naturalista do Poder” [54]. E, em que pese o fato de as monarquias absolutas haverem preservado mais elementos da Ordem Tradicional do que as monarquias liberais e, sobretudo, do que as repúblicas modernas, o princípio absolutista é, ainda segundo as palavras do egrégio pensador, homem de ação e poeta lusitano, de “natureza essencialmente revolucionária”, havendo sido ele o preparador do triunfo do espírito liberal-democrático [55].
Registre-se, ademais, que, consoante preleciona Francisco Elías de Tejada, o “absolutismo destroçava a harmônica variedade do corpo social cristão para robustecer o poder do governante”, supondo, destarte, “nova ruptura da ordem orgânica medieval, por substituir ao corpo místico da sociedade cristã tradicional por um novo equilíbrio mecanicamente apoiado sobre o cetro todo-poderoso dos reis do despotismo ilustrado” [56].
Cumpre notar, ainda, que a ideia de Monarquia de direito divino, tão cara aos absolutistas, nada tem que ver com a Monarquia Tradicional. Tal ideia, aliás, possui nítido tom protestante [57] e foi mesmo condenada pela Igreja, bem como pela totalidade dos pensadores católicos tradicionalistas que a discutiram.
Com efeito, a origem divina do poder, reconhecida pela Santa Igreja, não implica na aceitação da tese segundo a qual Deus designaria, para governar determinado povo, esta ou aquela pessoa [58].
Enfim, tanto a monarquia absoluta quanto a liberal-democracia e o socialismo, este último filho desta e neto daquela, são frutos do Espírito Burguês [59], que há séculos vem dominando o Mundo, produtos da revolução, com “r” minúsculo. Esta não é senão o processo antitradicional iniciado com o “Renascimento” e a “Reforma” e que produziu, dentre outras aberrações, a “Revolução” (anti)Francesa de 1789, a “Revolução” (anti)Russa de 1917 e o Maio de 1968 em Paris, não podendo ser confundida com a Revolução Tradicional, ou simplesmente a única verdadeira e autêntica Revolução, com “R” maiúsculo. Esta, por seu turno, é uma mudança de atitude em face da realidade e dos problemas, uma transmutação integral de valores no sentido de defesa e restauração dos valores perenes da Tradição contra os valores passageiros da antitradição; uma revolta do Espírito da Nobreza contra o Espírito da Burguesia, dos paladinos do Império de Ariel contra as hordas do Império de Calibã.
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Antes de encerrar o presente artigo sobre a Monarquia Tradicional, social, hereditária, representativa e municipalista, julgamos necessário assinalar que, como ensina António Sardinha, a Monarquia está acima do Rei, que não é senão seu primeiro servidor e principal órgão [60] e que nós outros, monárquicos por doutrina que somos, não podemos deixar de fazer nossas as palavras de João Pinto Ribeiro, proclamando, outrossim, que para nós outros a Monarquia vale “por virtude própria, independentemente da figura que a encarna” [61].
Da mesma forma, consideramos importante frisar que a obra de edificação de uma Monarquia Tradicional no Brasil somente frutificará caso esteja alicerçada sobre o Homem Tradicional, de sorte que nosso primeiro dever é o de empreender a reconstrução do Homem Tradicional, a que também podemos denominar Homem Integral.
Já nos havendo estendido por demais, damos por encerrado o presente trabalho, antes assinalando, porém, uma vez mais, que a Monarquia Tradicional é sem dúvida alguma a forma de governo mais condizente com o Espírito Nacional deste Império de nome Brasil e aquela que mais o engrandecerá e que àqueles que não acreditarem na restauração - ou instauração, como proclama o Patrianovismo, - da Monarquia Tradicional, nos chamando de sonhadores, responderemos com as palavras de Arlindo Veiga dos Santos:
“Só os sonhadores, só os visionários são senhores do Futuro. Os sanchos-panças comem o presente, dormem o presente, morrem o presente. E desaparecem sem ter criado as artes, a poesia, as flores, os Impérios” [62].
#Victor Barbuy
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