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» » » Município e Municipalismo no Brasil

O Município, unidade política fundamental, é uma reunião natural e legal de famílias e de outros Grupos Sociais Naturais, radicados em determinada área geográfica e sob um governo autônomo.[1]

“A mais bella das instituições que o mundo antigo legou ao mundo moderno”, na frase de Alexandre Herculano,[2] é o Município a cellula mater da Nação, que surge da Família, cellula mater da Sociedade.[3]

“Ponto de contacto entre a Família e a Pátria”, como disse Teixeira de Pascoaes,[4] e “sede tradicional do Poder Local”, na expressão de Jacinto Ferreira, é o Município, segundo este último, não somente um “conjunto de edificações”, mas, antes e acima de tudo, uma “comunidade de famílias”.[5]

Autêntica família de famílias, é o Município, pois, como bem observou René Penna Chaves, “um grupo natural da sociedade, constituído por um conjunto de famílias, ligadas entre si por interesses de vizinhança e politicamente organizadas”.[6]

Como fez notar Jacinto Ferreira, “as instituições Família e Município têm uma dupla função social”, que é aquela “de servirem de base ao usufruto das liberdades concretas inerentes à Pessoa Humana” e de constituírem eficaz barreira contra os excessos e as pressões do Poder Central e de suas autoridades delegadas.[7]

O termo “Município”, em latim municipium, deriva de munus capere, sendo munus encargo, função, dever, e capere captar, tomar, receber.[8] Sua origem remonta aos antigos romanos, que denominavam Municípios a certas cidades conquistadas, a que concediam direitos e deveres apenas inferiores aos das colônias romanas, detendo seus cidadãos, os munícipes, prerrogativas comparáveis àquelas dos cidadãos romanos, podendo militar nas legiões e exercer ofícios públicos e magistraturas.[9]

Fundado por Martim Afonso de Sousa, o primeiro Município brasileiro surgiu em 1532, em São Vicente, no litoral do atual Estado de São Paulo. Ali, o recém-chegado enviado de El-Rei D. João III fez instalar a um só tempo a urbs e a civitas. Com o traçado das primeiras ruas, a distribuição de lotes, a fortificação da localidade e a edificação da Igreja, da Câmara, da cadeia e da alfândega, surgia a urbs. E, com a convocação para a eleição dos primeiros vereadores da Vila e a organização da ordem legal e administrativa, sob a superior autoridade do Capitão-mor Donatário, com o início do trabalho dos oficiais nomeados para os cargos de Justiça, surgia a civitas.[10]

Divergem bastante os historiadores ao apreciar o desenvolvimento das instituições municipais criadas no Brasil pelo povoador lusitano. Com efeito, observações restritas a uma dada região ou a algumas municipalidades têm por vezes levado os estudiosos a concluir unilateralmente, quer afirmando a onipotência das câmaras municipais, quer negando por completo o alcance da autonomia municipal na América Portuguesa, durante o chamado período colonial.[11] Mas o fato é que, como salientou José Pedro Galvão de Sousa, “a história da formação política do Brasil tem um cunho nitidamente municipalista”,[12] bastando compulsar os documentos para ver como floresceram os Municípios nos primeiros núcleos de povoamento da América Lusíada.[13]

Como enfatizou o historiador Edmundo Zenha, autor da melhor obra já escrita sobre o Município no denominado Brasil colonial, segundo a abalizada opinião de José Pedro Galvão de Sousa,[14] nos séculos XVI e XVII, o Município se apresenta à face do Governo Geral ou da Corte portuguesa “desimpedido de qualquer intermediário”.[15] Ainda como frisou o autor de O Município no Brasil, partindo da família, aqui solidamente organizada, a única extensão estatal que os primeiros povoadores desta vasta Terra de Santa Cruz puderam nela realizar plenamente foi o Município.[16] Conforme observou Zenha, a civilização europeia firmou pé no Brasil por meio, principalmente, de dois elementos, “a família e seu reflexo, o município”.[17]

Conforme notou, com razão, Waldemar Martins Ferreira, em sua História do Direito Brasileiro, o governo das capitanias, na América Portuguesa, se contraía no governo das vilas, de modo que, se, territorialmente, as capitanias se alargavam pelos sertões adentro, administrativamente minguavam elas na vida das vilas, quase todas elas erguidas na costa marítima da Terra de Santa Cruz.[18]

Célula política da América Luso-Brasileira desde o seu nascimento, é o Município uma das mais belas e nobres instituições legadas por Portugal ao Brasil. Em outras palavras, se, como bem salientou Plínio Salgado, na obra Como nasceram as cidades do Brasil, foi a Fé Cristã, Católica, “o maior patrimônio que o Brasil recebeu de Portugal”,[19] foi o Município inegavelmente um dos maiores patrimônios que a nossa Terra de Santa Cruz recebeu da Terra de Santa Maria.

Outro dos grandes patrimônios legados por Portugal à nossa Terra de Santa Cruz é o gênio imperial lusíada, graças ao qual, como fez ver Plínio Salgado, tem o Brasil mantido, ao longo dos séculos, a sua unidade. Com efeito, como observou o autor de Primeiro, Cristo! e de Como nasceram as cidades do Brasil, este vasto Império que é a nossa Terra de Santa Cruz possui grandes e profundas diversidades regionais, assim como membros e descendentes de diversos povos do Orbe Terrestre, mas todas essas diferenciações se submetem “à ação poderosa de um formidável redutor, a trabalhar continuamente, como estatuário inspirado, na construção maravilhosa da Unidade Nacional”. Tal redutor, no dizer de Plínio Salgado,
É o gênio lusíada. É o espírito dos fundadores de um grande Império, cujo segredo se encontra nas raízes romanas e cristãs de que provém.

Tão grande tradição, pelos Brasileiros herdada dos Portugueses, constitui a força aglutinadora por excelência, reagindo contra a diversidade do meio físico, a complexidade dos aspectos étnicos e a extensão do espaço geográfico, e sustentando de pé, isento de futuras decomposições, o caráter definido de um dos maiores povos do Mundo.[20]
Voltemos, porém, ao Município. As liberdades deste, ou, em outros termos, as liberdades comunais provam à evidência que, como ponderou José Pedro Galvão de Sousa, o nosso Brasil, longe de haver sido simples colônia de Portugal em estado de servidão constitucional, foi logo integrado no grande Império edificado pelos portugueses, fruindo dos benefícios assegurados pela Coroa Portuguesa aos seus súditos de além mar.[21]

Patrimônio da Ordem de Cristo, governado pelo Grão-Mestre desta, que era El-Rei de Portugal, e, mais tarde, um patrimônio da Coroa Portuguesa, ou, no dizer de Arlindo Veiga dos Santos, uma “Província d’El-Rei”,[22] o Brasil se tornou independente de Portugal em 1815, com a criação do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves e as consequentes elevação do Brasil à categoria de Reino e fundação do Estado Brasileiro.[23] Neste sentido, no ensaio Ocorrências no ano de 1822, enfeixado na obra D. Pedro I e Dona Leopoldina perante a História: Vultos e fatos da Independência, publicada pelo Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, Plínio Salgado sublinhou que o Brasil era independente desde o dia 16 de dezembro de1815, quando foi elevado a Reino, com governo próprio e justiça e administração próprias, gozando, a partir de tal data, de uma condição semelhante àquela da Comunidade Britânica de Nações.[24]

Como frisou José Pedro Galvão de Sousa, a Nação Brasileira que se levanta em 1822 em defesa dos seus brios e contra as injustas pressões das Cortes de Lisboa, encontrando no Príncipe D. Pedro, futuro Imperador, o arauto de suas legítimas aspirações, é a Nação orgânica, formada “após três séculos de uma institucionalização progressivamente realizada com um senso que se diria divinatório do futuro”.[25] Tem tal Nação por base, ainda conforme destacou José Pedro Galvão de Sousa, a célula política, o Município, sendo da “’coligação de municípios’ que se ergue o clamor de um povo disposto a pugnar, com ânimo varonil, pelas suas liberdades concretas negadas pelo liberalismo”.[26]

No Império, sobretudo a partir da Lei de 1º de outubro de 1828, que regulou as câmaras municipais, e do Ato Adicional de 1834, o Município perdeu grande parte de seu poder. Cônscio de tal fato, José de Alencar, em 1861, num dos seus primeiros discursos como Deputado Geral do Império pela Província do Ceará e pelo Partido Conservador, proclamou a necessidade de descentralização administrativa e de fortalecimento dos Municípios, defendendo a criação de “uma nova organização municipal no sentido de ampla descentralização administrativa” e louvando o “espírito de independência”, assim como o “zelo e o amor pelo bem público” que, em seu entender, haviam caracterizado as câmaras municipais da América Portuguesa durante os chamados “tempos coloniais”.[27]

Com o advento da República, após o golpe de Estado de 15 de novembro de 1889, a instituição municipal sofreu ainda mais violento golpe, tendo início então a sufocante ditadura dos governos estaduais, que até hoje sufocam os Municípios, anulando sua autonomia.[28]

Consoante escreveu José Pedro Galvão de Sousa, os estadistas do Império dirigiam a Nação Brasileira com base no Município, ao passo que, com o advento da República, os oligarcas passaram a exercer o seu mando nos Estados, explorando as Municipalidades.[29]

Foi em tal contexto que, na última década do século XIX e primeira da República, o médico, jornalista, escritor, sociólogo e historiador patrício Domingos José Nogueira Jaguaribe Filho, mais conhecido apenas como Domingos Jaguaribe, iniciou, na imprensa, uma autêntica “cruzada” em defesa do Municipalismo, inscrevendo, assim, o seu nome na História Pátria como o verdadeiro “Patriarca do Municipalismo”.[30]Um dos três principais fundadores do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, ao lado de Antonio de Toledo Piza e Estevam Leão Bourroul, e pioneiro de Campos do Jordão, Domingos Jaguaribe, cearense radicado na Província Bandeirante e, diga-se de passagem, republicano sincero e convicto, deu à estampa, em 1897, o seu livro O Município e a República, que, dedicado ao Papa Leão XIII e dividido em três volumes, se configura no coroamento de sua campanha em prol do Município e de sua autonomia.

Tratando, no terceiro volume de sua obra, dos principais males que afligiam o Município no Brasil do ocaso do século XIX e que, aliás, ainda afligem os Municípios brasileiros na hora presente, fez ver Domingos Jaguaribe que tais males seriam resolvidos com descentralização administrativa, autonomia municipal, uma “boa lei eleitoral, verdade financeira e mais patriotismo e menos política”[31] no sentido baixo do vocábulo.

Na obra Campos do Jordão, o presente passado a limpo, o advogado, poeta, historiador e escritor Pedro Paulo Filho transcreveu uma bela carta escrita por Plínio Salgado a 05 de maio de 1965 e endereçada a Sylvio Jaguaribe Ekman, neto de Domingos Jaguaribe. Considerando que tal carta contém as mais significativas linhas já escritas sobre Domingos Jaguaribe, reputamos ser mister aqui transcrevê-la:
Recebi com muito agrado a sua carta de 19 de março, endereçada para a redação do ‘Diário de São Paulo’, a qual só me foi entregue quando de minha estada nessa Capital, em fins de abril. Por ela, o prezado patrício me felicita pelo artigo que publiquei sobre o Paraíba e a Mantiqueira, referindo-me ao seu ilustre avô, Domingos Jaguaribe, por mim cognominado – o Pedro Álvares Cabral de Campos do Jordão.

Mas o Dr. Domigos Jaguaribe não foi apenas isso.

Espírito polimorfo, de variada cultura, não só se distinguiu no campo da ciência como psiquiatra e higienista, mas também no das atividades sociológicas e políticas.

Considero-o o patriarca do Municipalismo, pois foi o primeiro no Brasil a pôr em destaque a importância básica do Município na estrutura da Nacionalidade. 

Sob esse aspecto, muito influiu na formação do meu pensamento político, desde quando, levantando a bandeira das reivindicações municipais, fundei com o Dr. Gama Rodrigues o primeiro Partido Municipalista do Brasil e, posteriormente, coloquei como pedra angular da doutrina integralista, o Município.

Muito admirado fico, no atual momento brasileiro, quando essa idéia triunfou num movimento geral que determinou até uma reforma da Constituição, não se lembrando o nome de tão grande brasileiro, que eu colocaria como patrono do movimento.

Era ainda o Dr. Jaguaribe votado às pesquisas históricas e do seu valor temos como prova o livro que publicou sobre os Incas.

É lembrança das mais caras da minha juventude a manhã de chuva fina e fria em que, galgando os desfiladeiros do Baú, fui procurar o ilustre brasileiro em sua vivenda em Campos do Jordão para lhe pedir um trabalho a ser publicado num almanaque por mim organizado.

Encontrei-o bondoso e acolhedor, e, tendo eu apenas 20 anos, mereci dele uma palestra longa sobre problemas científicos.

Dentro de um mês, enviou-me interessantíssima monografia que publiquei. Se o neto deste grande homem tiver em seus arquivos e biblioteca dados completos da biografia de seu avô, correspondência (da qual seriam interessantes cópias) e os livros já esgotados (que eu tive e perdi na voragem de uma vida agitada) e me confiasse, ainda que por algum tempo – eu escreveria um artigo especialmente dedicado à memória do Dr. Jaguaribe...

Aí em São Paulo, há um outro admirador do Dr. Jaguaribe, que é o Dr. João Carlos Fairbanks, professor da Faculdade de Direito de Bauru e residente na Capital.

Se o prezado amigo tomasse contato com ele, poderíamos obter informações interessantes na atuação do Dr. Jaguaribe no que se refere ao Municipalismo.

Aguardando suas novas notícias, que devem ser endereçadas para a Câmara dos Deputados, em Brasília, é com o maior apreço que me subscrevo, Plínio Salgado”[32].
Inspirados pela campanha de Domingos Jaguaribe Filho em prol do Municipalismo, o Dr. Antônio Gama Rodrigues e Plínio Salgado criaram, em fins da década de 1910, o Partido Municipalista, primeira agremiação política do País a efetivamente defender os lídimos interesses do Município e que teve considerável penetração em toda a região paulista do Vale do Paraíba.

Mais tarde, Plínio Salgado colocou o Municipalismo como pedra angular de sua sólida e profunda Doutrina política, Doutrina esta que, como bem sublinhou Heraldo Barbuy, é necessária por firmar os conceitos autênticos do Homem, da Sociedade e do Estado,[33] e que se constitui, antes de tudo, como observou Francisco Elías de Tejada, numa “teoria da Tradição brasileira com traços de granítico castelo, destinado a suscitar adesões para quem queira em tempos vindouros conhecer a substância do Brasil”.[34]

Em 1948, Plínio Salgado redigiu o Manifesto Municipalista, lido por Goffredo Telles Junior na V Convenção do Partido de Representação Popular. No aludido Manifesto, consciente de que os Municípios são “os elementos naturais de que se compõe o corpo da Nação”, proclamou Plínio Salgado que “a palavra MUNICIPALISMO resume a nossa política”[35] e que “Municipalismo é o nome da nossa campanha: a campanha pelo fortalecimento dos Municípios brasileiros”, por ele chamada de “Cruzada Municipalista Nacional”.[36]

Encerramos estas linhas sublinhando que a instauração, no Brasil, de um sistema que conceda efetiva autonomia ao Município é uma condição fundamental para a existência da verdadeira representação popular, assim como para a grande obra de reconstrução nacional de que necessitamos.

#Victor Barbuy

Legião da Santa Cruz

A Legião da Santa Cruz é uma associação cultural e cívica que reúne em suas fileiras pessoas comprometidas com a restauração do legado Católico da nossa pátria, que há muito tempo se diluiu em doutrinas estranhas as raízes que a formaram, e que hoje está submersa nas trevas da imoralidade e da perversão. Nosso objetivo é construir um verdadeiro front de resistência Católica, que inclua desde um vasto trabalho intelectual e informativo até uma plataforma política própria que possa representar e dar primazia a identidade profunda do Brasil e sua Fé.
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