Introdução
Pretendemos dar início a uma série de estudos, em forma de artigos, a respeito da invasão do Brasil pela cultura e padrões norte americanos. A neodireita brasileira tem falado bastante do perigo do “marxismo cultural” ao mesmo tempo que envereda pelo americanismo cultural e por uma visão de que devemos copiar as instituições dos EUA, a fim de sermos uma “civilização”. Todavia é preciso denunciar uma coisa sem ignorar a outra, dado que as duas correntes ameaçam nossa identidade profunda.
Neste primeiro momento falaremos da invasão americanista ocorrida na era do Império, a partir da obra de Eduardo Prado, “A Ilusão Americana”.
Parte 1 : Quem foi Prado?
Eduardo Prado era filho de um aristocrata paulista do café. Bacharelou-se em direito e tinha interesses intelectuais em história, literatura e política. Foi membro do IHGB ( Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro ) e criou um círculo intelectual de estudos brasileiros e lusos em Paris.
Parte 2: Prado e a República de 1889
Para Prado a república substituiu o país ético, tradicional, monárquico e católico, por uma cópia mal feita dos EUA, sem tradições e anticatólico. A monarquia podia ser referida a uma série de valores comuns, partilhados por todos. Ademais a figura de uma autoridade centrada no Rei era mais conforme nosso espírito e nossas necessidades que a idéia de poder emergindo das massas. A noção de uma autoridade monárquica dava ao país princípios mais ou menos fixos a partir dos quais podíamos conduzir a pátria e mesmo orientar as reformas e mudanças necessárias. Ainda segundo o autor, Pedro II foi um rei civilista que, em razão de seu amor aos estudos e de seu afastamento dos quartéis, teria evitado que o Brasil seguisse o mesmo caminho das repúblicas latino-americanas de origem hispânica, onde o caudilhismo sufocava as nações com golpes e contra-golpes contínuos trazendo um clima de perpétua instabilidade. O começo do fim do Império se deu quando Pedro II permitiu que o ensino dos militares se bacharelizasse. Foram os bacharéis fardados que, cheios de ideologias novas que deram o golpe no Império.
Mesmo levando em conta a presença forte da maçonaria no governo imperial – maçonaria que empre foi portadora da ideologia americanista – é preciso entender que a aplicação destes postulados aqui no Brasil , durante o império, foram tímidos, reduzidos a um constitucionalismo temperado pelo poder moderador do Imperador. Isso mostra que apesar dos pesares, no Império sobreviviam elementos do Brasil profundo, orgânico e católico, que não podiam ser simplesmente ignorados e eliminados. A elite governamental do Império, ainda que maçônica, foi obrigada a um termo de compromisso com este Brasil profundo.
Parte 3: O abismo Brasil – EUA
Prado ressalta a diferença radical entre a cultura brasileira e a norte-americana para demonstrar que a constituição de uma república no Brasil era uma insanidade, dado que não tínhamos o perfil cultural para abrigar um sistema como o dos EUA.
Primeiro o autor apresenta o fato de que os EUA sempre foram voltados para a América, já que sua independência fora uma ruptura radical com a Inglaterra. O Brasil seria voltado à Europa, dada sua independência como transição. Há inclusive a geografia que nos separa dos países andinos e nos isola, tornando-nos uma “ilha” na América ( a tese da ilha Brasil ). A história nos destaca pois a América Espanhola – assim como os EUA – adotou desde o começo de sua independência, o modelo de república democrática americana. No mundo das repúblicas de origem espanhola ( Argentina, México, Peru, etc) o que reinava no século 19 eram sedições, ruína econômica, ditaduras, etc. Já o Brasil Imperial havia adotado a máxima de se reformar dentro de si mesmo, com a própria substância
Portanto para Prado não havia sentido falar de “fraternidade americana”. A história prova os imensos ódios nacionais entre Bolívia, Chile, Argentina, Paraguai, etc, o que, por tabela, atesta que a república é essencialmente dissolvente e semente de divisões irreconciliáveis.
Há ainda outro ponto a frisar que é o da Diplomacia dos EUA durante o século 19, baseada no princípio de dividir para reinar. Há muitos exemplos sobre isso. Durante conflitos entre Brasil, Argentina e Uruguai sobre navegação no Rio da Prata, os EUA fizeram exigências exorbitantes ao Brasil, exatamente para jogar o país contra seus vizinhos. Durante a Guerra do Paraguai o governo americano foi cúmplice de Solano Lopez. Quando se tratou de tomar o Texas, o governo dos EUA estimularam a revolta interna contra o governo do México.
O caso do rei Maximiliano, que chegou ao Ttrono no México, é um belo exemplo. O príncipe francês fazia uma reforma no campo, combatendo a servidão camponesa, buscando a moralização das relações entre camponeses e donos de terras. Os EUA ajudaram a derrubá-lo, pondo no lugar um governo mais aberto à sua influência. Com os generais Diaz e Gonzalez os EUA obtiveram vantagens enormes em vários negócios no México como a execução de obras públicas, concessões de terras e de estradas, o que deixou a infraestrutura do país nas mãos de cias estadunidenses.
Em 1831 os EUA tomam as Malvinas da Argentina e dão aos ingleses. Promoveram também a separação do Panamá da Colômbia para construir o Canal que favorece seu comércio naval é outro exemplo. Antes disso os EUA fizeram malograr o plano de um canal transoceânico no México a ser feito por uma Cia francesa. O caso do Peru também merece menção: o governo americano passou a apoiar generais que queriam nacionalizar a exploração do Guano – riqueza mineral que funciona como excepcional fertilizante dado seu alto índice de nitrogênio – e depois que eles chegavam ao poder cobravam a conta do apoio exigindo acesso à exploração do mesmo. Isso tudo prova que o papel dos EUA foi extremamente danoso aos países independentes da América espanhola, mais ligados à sua zona de influência, dado o fato de compartirem simpatias políticas com os norte americanos, em razão de terem adotado o mesmo sistema político.
Parte 4: Os EUA de 1776 e os EUA do século 19
Ademais Prado mostra que os EUA da independência ainda tinham algum valor moral, alguma exemplaridade para apresentar. Já os EUA do século 19 depravou-se irremediavelmente. Em 1776 tínhamos uma sociedade abnegada, patriótica e agrária. Prevalecia um capitalismo com religião e moral puritana. Ganhar dinheiro mas para a Glória de Deus. Já em 1870 os EUA havia se tornado outra coisa: agora era uma sociedade industrial burguesa, onde reinavam as grandes cidades, onde imperava a ganância, o capitalismo selvagem e o egoísmo materialista. A partir daí a política nacional começa a ter como base o interesse das grandes corporações. A solidariedade dos tempos tradicionais é abandonada. A cultura do faça por si mesmo, crie a si mesmo, vire-se por si mesmo, vira a lei.
Isto se refletirá na política externa estadunidense que não será mais baseada, no fim do século 19, em valores mas em alfandegarismo econômico ( política de fronteiras abertas para assegurar lucros de sua indústria em outros países ). A plutocracia – uma nova classe de ricos banqueiros – tomou os partidos políticos e o Estado americano. Andrew Carnegie, grande industrial do aço, usou, nesta época, milícias privadas para matar e reprimir grevistas, com a anuência do governo. Tal contexto levou a uma grave promiscuidade entre público e privado: o homem público, no sistema americano, virara um ventríloquo da plutocracia sem a qual não poderia se eleger. Sua dignidade e independência se perdiam definitivamente.
Parte 5: Influência moral dos EUA sobre o Brasil
Segundo Prado o pior de tudo foi a influência moral americanista sobre o Brasil. Seu exemplo impõe uma nova cultura fundada no individualismo onde preponderam os interesses de grupos econômicos sobre quaisquer outros. Na medida em que os EUA havia virado, de vez, uma sociedade de aventureiros egoístas, ele não tinha nada a oferecer ao Brasil em 1889 a não ser corrupção moral já que nos EUA a corrupção administrativa é a essência dos governos e dos partidos, vendidos ao poder das grandes corporações, já que passaram a depender do dinheiro delas para vencer eleições.
Parte 6: A monarquia, salvação do Brasil
Prado termina sua obra fazendo uma ode à Monarquia. Segundo o mesmo ela ofereceria:
- Estabilidade;
-Princípios de virtude, oposição ao materialismo, abnegação e predomínio do interesse comum sobre o particular; na medida em que o monarca não é eleito ele fica livre de obter o poder via eleição, libertando o poder político, por tabela, da influência plutocrática.
- Solução proletária: monarcas tem interesse direto em solucionar a questão social do trabalho pois sabem que isto pode lhes custar o trono.
Em certa medida alguns poderiam contra-argumentar que na França de 1792 e na Rússia de 1917 os reis perderam o poder porque não foram sensíveis aos reclamos proletários, o que é verdade. Mas isso se deveu muito mais a falta de visão dos dois monarcas que a um princípio ínsito ao monarquismo.
Prado também alega que a monarquia no Brasil jamais legitimou a escravidão. Já nos EUA ela foi justificada por panfletos científicos, políticos e religiosos. Aqui no Brasil os escravocratas não foram cínicos a tal ponto, o que só foi possível graças ao espírito essencialmente lusitanista da nossa monarquia, dado que a tradição portuguesa sempre teve a integração de raças como princípio – como bem mostra, aliás, o sociólogo Gilberto Freyre - sendo Portugal mesmo, um país resultante de uma fusão racial entre celtiberos, romanos, visigodos e árabes. Prado prova que, para a monarquia, a escravidão nunca fora uma questão de princípio tanto que foi a Lei Áurea que sedimentou a queda do trono ( o que provaria, mais uma vez, a independência entre trono e os interesses econômicos, dado que tal lei afetava de forma direta a elite agrária ).
Conclusão
A república dos EUA é fundada, historicamente, no interesse econômico. Foi ele que gestou sua independência e foi ele, também, que conduziu toda sua história no século 19. Tal interesse é que gera o motor para as luta de classe e para a imanentização final dos valores. Logo é a república americana a preparação necessária para a revolução socialista. Na medida em que ela espalha seus postulados capitalistas-liberais pelo mundo, ela prepara o terreno a fim de que o marxismo, em suas diversas facetas, se instale. Portanto erra a nova direita quando acredita numa solução americanista para o Brasil. Se copiarmos o modelo dos EUA estaremos fadados a ver o país naufragar em revoluções sem fim. Hoje se há marxismo cultural nos EUA é graças à forma republicana de sua vida política, que leva, necessariamente, por força da sua lógica interna, às lutas classistas intestinas em prejuízo da pátria. Um movimento monárquico que não tenha a consciência disso não passa de espantalho de um americanismo que assume uma forma semi-oculta para dominar a vida nacional brasileira com todas as consequências funestas que daí advirão.
#Rafael Queiroz
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