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» » » » » Destruindo o Brasil Paralelo (II): Garschagadas na História Colonial

O Brasil Paralelo é uma produção ideológica que visa "americanizar" a história do Brasil.

O Episódio 2 do Brasil Paralelo teve coisas positivas, aliás, a intenção do Brasil Paralelo parece-me a princípio, muito positiva, que é romper com uma narrativa anti-portuguesa, materialista de esquerda em relação a nossa história. Todos que aprenderam história do Brasil pelos óculos da esquerda, aprenderam uma história do Brasil sem heróis (ou quase sem heróis visto que a esquerda tem seus heróis pessoais) e desinteressante. A história do Brasil seria, portanto, objeto de vergonha, escárnio, opróbrio e vexame. Seria uma história de tragédias, desgraças, opressão, golpes e exploração. Nesse sentido, o Brasil Paralelo por fazer uma história patriota (ainda que secular) tem seu mérito, embora não fique claro se seu intento é plenamente atingido.

Mas não posso deixar passar coisas ditas que são inverídicas. Os fins não justificam os meios; já dizia o ditado popular. O segundo episódio embarca, especialmente no seu final, na tese de Bruno Garschagen em seu livro "Pare de acreditar no Governo"; de que o sucesso do Brasil dependeu sempre dos períodos em que o Estado não foi presente. O livro é uma verdadeira peça ideológica feita com o único intuito de encaixar a história brasileira na narrativa da escola austríaca de economia. O número de distorções, falácias contrafactuais, anacronismos é assombroso e reside na base mesma do argumento de Garschagen. Não cabe neste artigo tocar em todos estes pontos, mas mencionarei uns de passagem.

Garschagen trata a economia como se tivesse leis econômicas imutáveis e perfeitamente atemporais, bem como rígidas como as leis da física. Nada mais falso, como demonstrado por economistas keynesianos (Steve Keen – Debunking Economics) e distributistas (John Médaille - Toward a truly free market). O jurista e filosofo Christopher Ferrara em The Church and libertarian aponta o mesmo, na qual fica claro que as organizações sociais dos mais diferentes estilos podem apresentar um traço ou outro que existe no capitalismo moderno, mas não os mesmos e nem na mesma quantidade. A lei da oferta e da demanda, mesma, é no máximo uma tendência econômica (soft law) que tem como base certos comportamentos humanos, mas jamais uma lei física, uma hard law, como pontua Thomas Woods (The Church and the market). Só da obra decidir analisar uma história multissecular em categorias como corporativismo no seu sentido moderno (crony capitalism), intervencionismo (como se falássemos de escolas desenvolvimentistas, keynesianas, kaleckianas, e não de um lento desenvolvimento de uma estrutura feudal corporativa em sentido medieval) já é em si mesmo um perfeito exemplo de anacronismo.

Nisto, inclusive, Garschagen deixa pouco a desejar a um marxista que reduz a história a essas mesmas leis econômicas universalmente válidas e que aparecem (sob a óptica marxista) na dialética materialista desta escola de pensamento. 

Contudo, como o assunto é o episódio dois da série Brasil Paralelo: "A Última Cruzada"; a Legião pediu-me que escrevesse uma análise. E ao ver o mesmo, percebi que muito do que foi narrado já estava previamente no livro de Garschagen; vou abordar em meus argumentos elementos apontados tanto no filme quanto no livro como forma de apontar erros ao meu ver, não acidentais. Também, mostrar incongruências entre a tese de Garschagen e a exposição da própria série. 

É óbvio - deixo claro – que toda obra historiográfica esbarra em algum discurso ideológico, mas que não se deriva daí que ela tenha a ideologia como fim. O caso é que a obra do Garschagen foi feita tendo a ideologia como fim, selecionando para uma conclusão pré-concebida, as evidências conforme o seu gosto. Acusação séria? Sem dúvidas. Contudo, como veremos, não é de toda sem fundamento.

Quando o episódio trata dos jesuítas até o Marquês de Pombal, é praticamente todo o trecho da obra de Garschagen que vai da página 35 até página 53 que está transposto em imagens, desenho, trilha sonora e entrevista. 

No livro, na página 38, Graschagen argumenta que o crescimento econômico do fim do século XVII se deve a não intervenção do Estado na economia, especialmente no mercado interno. Na página seguinte, 39, ele completa seu raciocínio dizendo que a causa do fracasso dos negócios em Pernambuco foi a atuação do Estado. Em resumo: O Brasil cresce porque o Estado não atrapalha, e naufraga onde o Estado põe a mão.
"O Brasil colônia viveu um momento de grande crescimento econômico no fim do século XVII e no início do século XVIII por conta da expansão de seu mercado interno, e não das exportações. Esse ambiente de negócios aquecidos provocava elevações gerais de produção e de preços por todo o território [...] A única região que não acompanhou as demais foi a que na época era formada pelos atuais estados da Paraíba e Rio Grande do Norte."
E por que não acompanhou? Garschagen acusará o Estado português. Isto poderia ser um erro simples, poderia ser uma análise equivocada, mas me parece pura e simples omissão imperdoável.

Garschagen omite enormes intervenções estatais portuguesas no período, de acordo com Furtado (1979, p.69) para corrigir os problemas da balança comercial ocasionadas pela crise do açúcar que devido à concorrência das ilhas do Caribe, havia minado o monopólio português sobre o produto no mercado Europeu.
"As repetidas desvalorizações cambiais (o valor da libra sobe de mil-réis para três mil e quinhentos réis entre 1640 e 1700) refletem a extensão do desequilíbrio provocado na economia lusitana."
Como João Fragoso coloca na sua História Econômica do Brasil Colônia, até que D. Maria I proibisse as manufaturas em definitivo no Brasil, em fins do século XVIII, a atividade manufatureira seguia aqui anêmica, espreitada entre as limitações do Estado através Governo-Geral e da vista grossa da autoridade às necessidades do mercado interno.

Com as desvalorizações cambiais, os produtos ingleses que chegavam ao Brasil através da Metrópole chegavam muito mais caros, o que favoreceu um desenvolvimento manufatureiro, que passou a tirar braços da agricultura, uma das razões inclusive, que levou Dona Maria a emitir seu famigerado decreto. Garschagen omite que, desvalorizações cambiais produzem inflação de custos e queda posterior de demanda dos produtos manufaturados importados.

No episódio, mais especificamente, fica claro que a alegação de que o estatismo nasce aqui com o Marquês de Pombal é um exagero inspirado em Garschagen, mas que além de ser uma versão muito mais simplista (já que Garschagen no livro coloca o dedo do estado português desde a aurora do país), é mais conveniente aos propósitos do documentário. Nem ele, Garschagen, mesmo ousou escrever uma tese dessas, de que aqui havia liberdade plena de mercado. 

O episódio dois coloca uma ideia muito estranha em cena, a de que antes de Pombal, vigorava aqui o mais estrito liberalismo econômico, e que graças a Pombal, o estatismo veio a grassar por aqui. Nada mais falso, como o próprio Garschagen coloca (p.30), o Brasil é uma obra de "Parceria Público-Privada" (outro anacronismo, visto que as relações feudo-vassálicas medievais eram de característica análoga). 

Desde o primeiro momento, o Brasil sofreu uma enorme carga de intervenções da Metrópole. Favores políticos e honrarias típicas de uma sociedade ainda bastante feudal em seu funcionamento eram feitas àqueles fidalgos que instalassem engenhos no Brasil; inclusive isenções de tributos no início (FURTADO, 1979, p.41). Os colônos que viessem para o Brasil e instalassem fortes e vilas para extração de Pau-Brasil, tiveram isenção tributária no primeiro ano, entretanto, no segundo, terceiro e quarto os impostos cresceram vorazmente (cf. VIANNA, p.109)

Só o fato de o Brasil ser um monopólio já é uma contradição com a ideia de que aqui vigorava o mais livre dos livres mercados. A capitulação de Zaragoza em 1529 envolveu justamente as monarquias espanhola e portuguesa negociando uma trégua na pirataria e no contrabando de Pau-Brasil. Para exploração do território nacional, era necessário ter cartas de marca, que se não fosse obtida por cair nas graças do Rei, era obtida por preços enormes que somente a aristocracia lusa era capaz de pagar.

Em 1534, começa a política da vintena para que se instalasse em definitivo aqui uma colonização com cidades e vilas, na qual a côrte subsidiaria 80% dos custos de instalação da empresa colonial, deixando apenas 20% nas contas privadas. 

Momento Dilma:

No raiar no século XVII, temos um "momento Dilma", a medida em que os capitães donatários adentravam o território e ia extraindo pau-Brasil, o Rei Filipe II, passou a fazer concessões e arrendamentos de campos de extração régios à pequena e média nobreza luso-hispânica, por períodos pré-determinados de tempo. Tal prática ainda hoje, com as devidas modificações tecnico-históricas, são muito similares às praticadas pela ex-presidente Dilma Rousseff na questão dos aeroportos. Convenhamos, que não é de maneira alguma, o melhor exemplo de "liberalismo econômico". 

É forçoso lembrar o que Alfred Müller-Armack coloca em "Regime Econômico e Política Econômica", que uma economia pode ser livre sem ser liberal; em geral as relações econômicas no medievo eram livres, mas não eram liberais visto que as instituições do capitalismo moderno não existiam e que as ideias liberais ainda não haviam nascido. Então, só de tratar de "intervencionismo" no episódio como se fosse a mesma coisa que intervencionismo hoje, é mais um caso de anacronismo.

Momento Marina Silva:

Em 1605, o Rei Filipe II, preocupado com os danos às florestas de Pau-Brasil que a extração legal e ilegal para contrabando causavam, impôs neste mesmo ano aquela que pode ser considerada em certo sentido a primeira lei ambiental brasileira. É óbvio que é força de expressão, pois a consciência ambientalista que move Marina Silva não existia àquela época, mas como o fim prático foi a preservação do Pau-Brasil, pode-se dizer que por meios e ideias outras (as de seu tempo), os fins eram análogos. O Regimento, segundo Vianna (1967, p.115): "Pretendia com isto evitar o desaparecimento das matas, que a destruição sistemática do vegetal determinaria." E como não fosse interferência bastante, já após o fim da união entre Espanha e Portugal, determinou a côrte lisboeta a criação em 1649 da Companhia Geral do Comércio do Brasil, quer seria uma espécie de "Pau-Brasilbrás" ou "Cana-de-açúcarbrás", para fazer extração de engenhos e campos de extração régios, regular e comprar dos engenhos privados e vender para a Europa. Ou seja, livre comércio? Nem pensar, temos aqui algo que vagamente nos lembra um misto de empresa estatal e agência reguladora; guardados - é claro - ás devidas distinções históricas.

A cana-de-açúcar não eram distintas, desde as ilhas oceânicas dominadas por Portugal, já se vinha instalando engenhos para extração do açúcar. Na Ilha da madeira havia os chamados "lagares do Principe". O que eram? Engenhos de cana-de-açúcar cuja propriedade era régia. Em 1550 já havia no Brasil uns poucos engenhos. Um deles chamava-se "Engenho do senhor governador"; que seria isso se não um engenho pertencente ao governo que residia na capital da colônia?

Quanto aos lagares e engenhos privados, os impostos muitas vezes ascendentes, extraíam bons recursos para a coroa, ao passo que no nordeste dominado por holandeses em meados do século XVII, a arrecadação despencava com derrubadas de impostos para estimular a produção em vias de fracassar. Em 1640 os holandeses extraíram 400.000 florins de taxas sobre os engenhos, 5 anos depois havia despencado para 229 mil. Ou seja, os holandeses eram bem mais liberais que os imposteiros ibéricos. Não obstante isso, os engenhos foram um sucesso no centro-sul. Em 1570, havia 60 engenhos no Brasil e se exportava 70 mil arrobas de açúcar; 14 anos mais tarde eram 115 engenhos exportando 350 mil arrobas. Em 1711, 141 anos depois, esses valores já estavam em muito superados, mais de 500 engenhos e exportando 1 milhão e 400 mil arrobas; um crescimento de mais de 10 vezes nesse período.

Então, ao que parece, todo o estatismo não foi um problema para a empresa colonial portuguesa.

Celso Furtado na Formação Econômica do Brasil mostra a lucratividade desse sistema, a renda líquida oscilava entre 2 milhões de libras e 2 milhões e meio de libras que ficava retido nas mãos de uma população europeia que não passava dos 30 mil habitantes. Em termos per capita os colônos eram riquíssimos! (p.43)

E mais Estado...

Com o falhanço das capitanias, o Rei teve de assumir muitas delas, então no maravilhoso "liberalismo econômico" do Brasil Paralelo (alegação que mistura uma caricatura de Garschagen e de Caldeira), havia até capitanias "estatais"! Garschagen na página 39 diz que a coroa havia decidido intervir e se apropriar da capitania de Pernambuco para colher impostos. Será? Vianna (1967, p.267) nos responde: "Tendo competido a coroa, e não ao Donatário, a maior parte das despesas causadas pela guerra e expulsão dos holandeses de Pernambuco, também passou à administração régia esta capitania, a mais rica da época".

Ou seja, no Brasil paralelo de Bruno Garschagen os conflitos entre luso-brasileiros e neerlandeses não causaram danos e despesas, não é uma beleza? Como o sociólogo Oliveira Vianna (1938, p.63) coloca, e bem, os ímpetos mercantis e comerciais dos portugueses não foi mais que uma fase bem aproveitada que logo se esmaeceu:
"Desde os primeiros dias da nossa história, temos sido um povo de agricultores e pastores. O espírito comercial dos portugueses do ciclo das navegações, dominante na sua expansão para as Índias, desde que penetra terra brasileira se obscurece, perdendo, aos poucos, a sua energia até desaparecer de todo."
Vianna apontará alguns fatores na sequência:

(1) A grande extensão territorial do país. os portugueses lançavam-se ao mar devido a um território pequeno e pouco fértil. O mar era o complemento necessário da subsistência dos lusitanos.

(2) Ao chegar no Brasil, ao contrário dos Espanhóis que deram de frente com civilizações pujantes, os portugueses deram de cara com povos tecnologicamente muito atrasados e que viviam de uma agricultura rudimentar, caças minguadas e até mesmo nomadismo.

Num ambiente tão pouco propício ao comércio e com uma "terra que tudo dá", não poderia nascer um povo comercial como o ianque, mas sim uma civilização mestiça de agricultores e pastores. 

Vianna (1938, p.86) ainda pontua que as distâncias eram muito grande entre um latifúndio e outro, de modo que toda a vida social ocorrida dentro destes latifúndios ao derredor da atividade açucareira que passa a compor o zênite da vida cultural na colônia. Um único engenho podia estar encerrado num terreno de 14 quilômetros quadrados a quase 170 quilômetros quadrados (2 a 20 léguas), área que abarcaria muitos municípios do Brasil hoje.

Não custa lembrar que o Brasil era parte de Portugal, então olhar tudo da óptica brasileira como se fôssemos um sistema autônomo é um erro. Em 1684, Portugal aplicando medidas protecionistas conseguiu praticamente abolir o comercio de tecidos ingleses em suas terras. Medidas estas que só seriam derrubadas na aurora do século seguinte pelo pacto de Methuen (cf. FURTADO, p.81). Então, onde está o tal "liberalismo econômico" que o Brasil Paralelo alega?

As democracias liberais do Brasil

Segundo o Brasil Paralelo, num outro grande anacronismo, o Brasil foi a primeira democracia liberal do ocidente, pois nas câmaras municipais havia eleições. O que eles não contam é que as eleições usavam um sistema tardo-feudal que já existia não só em Portugal mas também em outros reinos da Europa. Aliás, as raízes do sistema podem ser rastreados até o Império Romano, pois eram elegíveis apenas os "homens bons". Quem seriam eles? Nobres, funcionários públicos e membros do clero. Uma mistura do romano boni et optimi herdado através dos antigos reinos visigóticos com as velhas estamentações feudais. Não custa lembrar que na Revolução Francesa, o sistema de três estados era bem parecido, clero, nobreza e populacho.

Não só isso! Que raios é esse de democracia liberal que aquele que era um dos cargos mais relevantes do sistema, se não o mais, que era o de juízes de fora eram indicados diretamente pela coroa? Logo, além de anacrônico, forçar a alegação de "democracia liberal" no Brasil colônia é também uma forçação de barra sem precedentes, pois poderíamos falar assim da tão louvada pelos libertários, Islândia medieval, que tinha um sistema jurídico popular e democrático, uma república. Poderíamos falar também da república de Cospala e outros lugarejos medievais que eram bem mais democráticos do que o sistema brasileiro, enfim.

Em que pese ter seu mérito, o Brasil Paralelo se ampara sobre afirmações que não constituem meros erros históricos, mas claramente omissões de fatos e de mentiras ideologicamente motivadas, com a finalidade de americanizar (The star-spangled heresy) a história do Brasil, e tais intentos são muito pouco históricos e muito mais políticos. O que pretendem estes senhores? Não sei ainda. Mas acompanhemos até onde irá o Brasil Paralelo com essa narrativa.



#Arthur Rizzi

Legião da Santa Cruz

A Legião da Santa Cruz é uma associação cultural e cívica que reúne em suas fileiras pessoas comprometidas com a restauração do legado Católico da nossa pátria, que há muito tempo se diluiu em doutrinas estranhas as raízes que a formaram, e que hoje está submersa nas trevas da imoralidade e da perversão. Nosso objetivo é construir um verdadeiro front de resistência Católica, que inclua desde um vasto trabalho intelectual e informativo até uma plataforma política própria que possa representar e dar primazia a identidade profunda do Brasil e sua Fé.
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