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Mais uma vez a série “Brasil Paralelo” dá um show de ignorância, burrice, malícia, desinformação e mau caratismo.

Para que fique claro o capítulo 3 da série – Marxismo cultural no Brasil que pode ser assistido aqui – se fundamenta em diversos erros crassos em matéria de história e análise política, cujo único fim é desnortear o público sobre a verdadeira natureza da questão que atinge o ocidente e o Brasil, tecendo críticas ao socialismo mas sem desvendar o que lhe dá base e, ainda, orientando, maliciosamente, os espectadores a um liberalismo sutil.

Vamos aos mesmos:

Minuto 4: faz -se uma referência a dialética hegeliana nos seguintes termos:
(...) o homem vê o mar e intelectualmente ele pode imaginar que a água está fria ou quente; daí ele considera os riscos e benefícios de entrar nele e disso nasce a dialética histórica de Hegel.
Sejam sinceros, senhores: algum de vocês já leu uma descrição tão grotesca da dialética de Hegel? Não, tampouco nós!

A dialética hegeliana tem relação com a razão negativa. O conceito de gato inclui o “não gato”, o ser inclui o “não ser”, a oposição, o contrário. As coisas, para Hegel, são e não são ao mesmo tempo, desde um ponto de vista conceitual. Só podemos conceber um ser a partir, também, do que ele não é. Temos aí uma dialética das idéias e, na história, estas idéias são o fundo do movimento temporal. Um exemplo: Napoleão pensava em termos de expansão das teses de liberdade da revolução francesa. Ele derrubou tronos mas ao custo de impor, aos povos libertos deles, o domínio francês; logo, a liberdade desejada produziu o inverso dela, qual seja, a opressão francesa. Isso trouxe a reação ao poder napoleônico e a derrota de Bonaparte. A tese era a liberdade revolucionária, a antítese a reação absolutista, a síntese, os nacionalismos produzidos pelas invasões napoleônicas: já que é de liberdade que se trata o império napoleônico, então queremos liberdade para nossa pátria sob nossos critérios e não sob os da França, dirão os nacionalistas, levando a história a uma nova etapa fruto do advento de novas idéias.

A descrição do vídeo é completamente sem sentido, não atingindo, nem de perto, o cerne do que é, exatamente, a dialética de Hegel.

Minuto 5: aí se afirma que:
Marx alega que de fato a dialética de Hegel que moveria o mundo é a luta de classes.
Marx jamais disse tal coisa. Marx sabia que a dialética de Hegel não envolvia classes mas as idéias, que seriam a base do movimento histórico. Marx inverte a dialética hegeliana e a lhe dá um novo acento: ele conceberá a mesma sob o signo do movimento ou do processo da matéria; as idéias são fruto das condições econômicas. Já Hegel considerava a dialética independente das condições materiais.

Minuto 5: fala-se de Moses Hess como patrono de Marx mas nada sob sua condição judaica!


Como sempre a olavosfera esconde, propositalmente, o fundo judaico do marxismo. Sobre Moses cabe dizer que foi pai do sionismo e que, antes mesmo de Marx, já vinha teorizando sobre utopia revolucionária com base no messianismo judeu, onde, inclusive, considerava que o sucesso de um movimento proletário e socialista só seria possível com a adesão dos judeus e em cima de uma ideologia fundada em Spinoza – filósofo judeu que foi um dos pais do iluminismo e que via a humanidade caminhando rumo a um novo Éden de liberdade e igualdade.


O Brasil Paralelo simplesmente esconde o fundo ideológico judaico do marxismo. Recordemos o que diz Paul Johnson sobre Marx e o judaísmo em sua obra “História dos Judeus”, páginas 359-360:
Sua maneira de ver a história, como uma força positiva e dinâmica na sociedade humana, governada por leis férreas, uma Torá de ateu, é profundamente judaica. Seu milênio comunista se arraiga...no messianismo judaico. Sua idéia de domínio é a de um catedocrata. O controle da revolução ficaria nas mãos da inteligentsia de elite, que tinha estudado os textos, compreendido as leis da história. Eles formariam o que ele chamava de gerência, o diretório. O proletariado, “os homens se substância”, eram apenas o meio, que devia obedecer...a metodologia de Marx era inteiramente rabínica…a teoria de Marx de como a história, a classe e a produção funcionam...não é diversa da teoria luriânica cabalista da idade messiânica, em especial tal como emendada por Natan de Gaza.
Minuto 6: aí se alega que a teoria do valor trabalho de Marx está errada - mas ela não é de Marx e sim de Smith/ Exaltação da escola austríaca.!

O vídeo em questão deixa clara sua opção: importa defender as bobagens da escola austríaca, escola ultraliberal de economia em contraponto ao marxismo. Num outro momento um jornalista deplora o comunismo por ele ser contra a “liberdade” e a “vida”, concebendo, ambos os termos em sentido iluminista (indivíduo como dotado de liberdade absoluta).

O problema é que a teoria do valor-trabalho não é de Marx mas de um liberal, qual seja, Adam Smith. Ora, Smith assevera que o valor de algo indica o trabalho necessário para obtê-lo. Menger e a escola austríaca admitem que uma coisa pode dar muito trabalho para produzir e mesmo assim não valer nada. Para os austríacos algo só vale se alguém quiser comprá-lo. Entretanto, a pretensa dicotomia entre a tese de Smith e o desejo do consumidor para obter um produto como base real do valor, é uma falsa premissa. Nenhum produtor se dará ao trabalho de produzir uma mercadoria que não seja demandada pelos consumidores. Isto indica que nenhum produtor está disposto a fabricar o que ninguém quer. O trabalho só é ofertado se é demandado.

A teoria de valor na utilidade marginal de Menger, diz que a primeira garrafa de água que você tomar terá um valor muito alto. A segundo, com a mesma quantidade de trabalho da primeira, terá um valor inferior. E assim sucessivamente, até chegarmos a última garrafa, após toda sua sede ser saciada, que terá valor zero. Assim o valor independeria do trabalho que uma mercadoria precisou para ser produzida; se ela não tiver utilidade para ninguém, seu valor será igual à zero.

No entanto os “intelectuais” do Brasil Paralelo mal entendem o cerne da questão, tampouco o que Marx realmente disse sobre a questão do valor trabalho. Existe muita confusão do que de fato é a mercadoria segundo Marx. Imbecis austríacos costumam usar exemplos risíveis como: “Se você achar uma maçã caída de uma árvore, seu valor será enorme e a quantidade de trabalho será zero” ou “O ar não tem trabalho e é de enorme valor”. Em Marx, mercadoria é tudo aquilo que tem trabalho e utilidade – Marx escreveu sobre utilidade. Um buraco cavado no chão tem trabalho, mas não tem utilidade. Um buraco inútil não é mercadoria.


Marx usa um conceito onde define o duplo caráter da mercadoria no capitalismo. Valor-de-uso é como uma mercadoria tem valor em suas características intrínsecas, ou seja, tênis para calçar, água para beber. Já o valor-de-troca é como uma mercadoria não tem valor em si, mas transfere utilidade a outros, em troca de outros valores-de-uso. Ou seja, um vendedor de chocolate não vê utilidade em seus produtos, entretanto ele pode vendê-los para obter coisas úteis a si.


Uma fazenda inexplorada, por exemplo, tem valor-de-troca; só o trabalho do homem nela, gerará alimentos úteis. Em outras palavras, a terra só tem valor porque através dela é possível transformar a natureza, produzir mercadorias e trocá-las por valores de uso e isso só através do trabalho. O valor de uma fazenda virgem também tem trabalho: na descoberta, em seu atestado de que ela é produtiva e na sua comercialização. Em outras palavras, a terra virgem precisa ter valor social para ser vendida. 


A mercadoria tem uma função, o chamado valor-de-uso, ou seja, água para beber, celular para se comunicar, etc. Porém resumir esta relação ao consumidor final e o produto consumido, seria um erro: é este o erro dos austríacos. Nas sociedades reais há compartilhamento de valores e sensos estéticos. Por exemplo: ao comprar um celular posso, subjetivamente, optar pelo celular com certo design que mais me agrade, mas não posso descartar o valor do celular pois hoje o trabalho e a vida social o exigem, é algo posto de fora e desde cima sobre o indivíduo, um valor objetivo portanto. Evidentemente que um celular que oferece um plano de 2 GB é mais valioso que um que ofereça um de 1GB, e esse valor tem a ver com o trabalho necessário para fornecer o serviço de 2GB, maior que o necessário para fornecer o de 1GB.

Outro erro dos austríacos é considerar que a tese do valor trabalho justifica, imediatamente, o marxismo. Isto é falso pois Marx considerou erroneamente a questão do valor como sendo produzido unicamente pelo proletariado. A doutrina social da Igreja resolveu a questão mostrando que o pólo do trabalho nada pode produzir divorciado do pólo do capital. Enquanto os austríacos fazem o valor derivar, totalmente, do desejo individual subjetivo, o que leva a um consequente relativismo moral – já que o indivíduo produz o valor econômico por que não produz, também, todos os outros? - os marxistas fazem-no derivar apenas da classe trabalhadora esquecidos de que o capital gera os recursos necessários para que mercadoria possa ser fabricada: um agricultor precisa das ferramentas fornecidas pelo capital sem as quais não produzirá nada.

Minuto 7: movimento comunista não está baseado em ideologia diz Olavo;


Mas não é fato que todo comunista acredita em revolução comunista e que isso implica igualitarismo? Que ela passa por luta de classes? "Comunismo é cultura" mas ora cultura não tem idéias de base? Não é possível ligar a ideologia de Marx, Marcuse, Gramsci, etc, a um fundo de idéias comuns?

Olavo é um poço de contradição o que fica evidente quando lemos seu comentário sobre o que é marxismo no artigo A teoria econômica de Lord Keynes e a ideologia triunfante do nosso tempo: “A fusão de uma teoria econômica errada com a nefelibática filosofia da história de Hegel gerou um monstrengo teorético eficaz apenas como misticismo ideológico”. Vejam que o artigo deixa bem claro qual a ideologia triunfante atual, que seria o marxismo, de certo modo presente no keynesianismo. Olavo contra Olavo. Ora o marxismo é ideologia, ora não. Afinal, qual Olavo tem razão?

Minuto 8/9: referência aos jovens russos ligados ao movimento comunista


Mais uma vez o Brasil Paralelo desinforma sobre o papel judaico na formação desses núcleos comunistas na Rússia czarista do século 19.


Em relação a isto precisamos ressaltar que em março de 1881, o Czar foi assassinado por revolucionários judeus; o historiador judeu Simon Dubnow informa que, no mesmo ano que se fundou na Basiléia a organização sionista, em Wilno criou-se uma associação socialista – Bund – que teve um papel importante na propaganda revolucionária entre as massas judias que falavam o ídiche. Do Bund nasceram grupos judeus-russos que participaram das agitações revolucionárias em Moscou no ano de 1905. Para se ter um idéia em 1889 o partido social revolucionário, tinha uma seção terrorista sob controle do judeu Gershuni que foi a responsável pelo assassinato do ministro russo Sipyagin, do duque Serguei e do general Dubrassov, etc.


Minuto 10: Holodomor verdade inquestionável (Leandro Ruschel, empresário de Miami)

A questão do Holodomor não é consensual entre pesquisadores de história, havendo muitas discussões sobre o tema, mas é claro que sub intelectuais, como os do Brasil Paralelo não sabem disso.


Sobre o tema o historiógrafo André Liebich diz que:


Liebich: Apesar do Holodomor ser reconhecido como genocídio por mais de 20 países, os académicos internacionais consideram que este não foi um ato com um intuito de exterminar um povo, pois outros países e outros povos foram, também afetados. Uma ideia, defendida, também, por André Liebich, Professor no Instituto de Altos Estudos Internacionais e do Desenvolvimento, Suíça, historiador especialista em países da ex-URSS.

Euronews: O primeiro artigo da lei ucraniana sobre o Holodomor define-o como genocídio do povo ucraniano. É reconhecido como tal em mais de 20 países. No entanto, para muitos, a utilização do termo’‘genocídio” não é o mais adequado. Por quê?

André Liebich: De facto, o termo é mal escolhido. Quando pensamos em genocídio, especialmente no contexto da década de 30, pensamos primeiro no Holocausto. Mas a diferença é que o Holodomor não afetou só o povo ucraniano, afetou também outros povos, no interior da Ucrânia e mesmo fora, como no Cazaquistão e na Rússia. Além disso, o Holocausto foi uma campanha, uma intenção de exterminar um povo, enquanto o Holodomor, se não houvesse milhões de vítimas, o que é indiscutível, não foi planeado com o intuito de erradicar o povo ucraniano. Foi o resultado de uma política desumana e brutal de Estaline, que não hesitou, perante o número de vítimas que iria criar. Mas a sua principal intenção não era eliminar os ucranianos mas realizar o seu programa, custasse o que custasse. Mesmo à custa de milhões de vítimas, especialmente agricultores, que eram, na sua maioria, ucranianos.
(In: pt.euronews.com)
Ademais há que dizer o seguinte: nos anos noventa, em resultado da acumulação de novos conhecimentos aprofundou-se o debate sobre a natureza da fome na Ucrânia. Esse debate foi marcado por diferentes interpretações:


1. A "revisionista" que relativiza a dimensão criminal – linha de Stephen Wheatcroft ou de Mark Tauger;


2. A "nacional",que salienta a especificidade genocidária do Holodomor ucraniano - James Mace, de Yuriy Shapoval ou de Nicolas Werth;


3. A "camponesa" que destaca, numa perspectiva pan-soviética, o uso da fome como "arma política" contra o campesinato – de Viktor Kondrashin ou Georges Sokoloff;


Minuto 11: não havia proletariado na URSS em 1917...a revolução foi feita só por uma elite


Esta é, sem sombra de dúvida, a maior prova da ignorância crassa dos intelectuais do Brasil Paralelo.

O que eram os soviets russos, senão sindicatos que reuniam proletários de São Petersburgo e Moscou?

A Rússia passou, entre meados ao fim do século 19, por um processo de industrialização sob a influência do capital anglo-francês. Isso gerou uma classe operária no país, presente nos grandes centros urbanos.

Isso é tão claro que não precisamos insistir demais para demostrar que tal alegação é pífia.


Minuto 14: a URSS não era a base do movimento comunista mas um órgão dele, diz Olavo.


Faltou, como sempre, dizer quem eram os verdadeiros agentes e pais do comunismo que haviam se servido da URSS.

A participação judaica na revolução russa de 1917 foi notável – havia muitos judeus no alto escalão do Partido Bolchevique. Logo após o triunfo da Revolução, o Partido Comunista criou uma seção dentro de sua organização, a Yevsetskyia, a seção judaica do partido. O objetivo desta organização era mobilizar os judeus do mundo em favor do regime soviético. Após o fim da Segunda Guerra a URSS votou a favor da partilha da Palestina em 1947 e foi o primeiro país a reconhecer o Estado de Israel, acreditando que as lideranças de esquerda (Mapai, por exemplo, de Ben-Gurion) viriam a alinhar-se com a União Soviética contra a influência inglesa na região. A defesa da criação da nação israelense por parte das lideranças soviéticas é explícita. Ademais, a URSS foi o primeiro país a reconhecer Israel, antes mesmos dos EUA, e a pedir troca de embaixadores. As intervenções do embaixador da URSS, Andrei Gromyko, nos debates a respeito da partilha da Palestina foram contundentes:
A delegação da URSS sustenta que a decisão de dividir a Palestina está em consonância com os elevados princípios e objetivos das Nações Unidas. É em consonância com o princípio da autodeterminação nacional dos povos (…) A solução do problema da Palestina com base em uma partição da Palestina em dois estados separados será de profundo significado histórico, pois esta decisão vai atender às demandas legítimas do povo judeu, centenas de milhares, que como vocês sabem, ainda estão sem um país, sem casa, tendo encontrado abrigo temporário apenas em campos especiais em alguns países da Europa ocidental. (…) O fato de que nenhum Estado europeu ocidental tenha sido capaz de garantir a defesa dos direitos elementares do povo judeu, e para protegê-lo contra a violência dos executores fascistas explica as aspirações dos judeus de estabelecer o seu próprio Estado. Seria injusto não levar isso em consideração e negar o direito do povo judeu de realizar esse desejo. Seria injustificável negar esse direito ao povo judeu, especialmente em vista de tudo que sofreu durante a Segunda Guerra Mundial.
O sionismo socialista reinava absoluto na maioria dos partidos nascentes em Israel, ainda que poucos fossem claramente pró-soviéticos.

De fato o comunismo é um movimento que transcende a URSS e que foi, em grande parte, uma organização que vampirizou uma nação em função dos objetivos de uma elite de origens judias. Mas é claro que Olavo jamais vai esclarecer-nos sobre isso.


Quem for minimamente razoável que entenda. O Brasil Paralelo é uma farsa singular.



#Rafael Queiroz
- - -
Eis o modelo civilizacional proposto pelo Brasil Paralelo, um país escravizado pela maçonaria.



Como já foi denunciado por Queiroz em seu artigo, o Brasil Paralelo pelo que podemos ver, de fato, progride para transformar a história norte-americana numa ideia platônica, uma categoria abstrata pela qual a história do Brasil será julgada e na qual deverá se encaixar. A americanização da história do Brasil e o liberalismo de fundo que rege o Brasil Paralelo ficam muito evidentes no episódio três.

O episódio três já começa com um “previously”, e, na sequência, o narrador afirma que é a parte mais importante da “saga”. Por que será? Simples, é a hora de liberalizar e americanizar o Brasil em definitivo. O episódio começa com a jura revolucionária na França, feita pelos Jacobinos. Contrapõem-se nele, a direita (reformistas bonzinhos) e a esquerda (jacobinos malvadões). Os jacobinos, movidos pelo igualitarismo e pela violência, eram inimigos da propriedade privada (o que não é bem por aí...), fonte da civilização e de todos os males. Daí cita-se Diderot, Voltaire e Jean Jacques Rousseau. Ao passo que os girondinos, reformistas, defendiam a liberdade.

Como oposto a essa ideia, claro, é apresentado o “conservador” Locke, de forma que aquilo contra o que a “nova direita americana”, que elegeu Trump, se revolta hoje (a historiografia Whig) passa a ser sacralizada aqui no Brasil. De um lado, a tradição britânica, em perfeita continuidade com a cristandade – segundo o Brasil Paralelo – pois o iluminismo escocês seria seu perfeito e mais lógico desdobramento; de outro, a revolução que quer destruir o ocidente, perfeita ruptura com o passado. Talvez por um lapso ou descuido, após falar que o rei Luís XVI ao convocar a assembleia dos Estados Gerais, viu-se impelido pelo radicalismo a findá-la, os sabichões do programa afirmam que os revolucionários se mudaram para o ginásio ao lado para fazer a jura revolucionária, e que lá estavam os girondinos (equivalentes aos Whigs) e os jacobinos juntos. Mas os girondinos não eram bonzinhos e em perfeita continuidade com a civilização? Não seriam eles meros reformistas como os Whigs ingleses? (Burke era um Whig, não custa lembrar. A ele voltaremos depois). Mistério.

Antes de desmascarar essa lorota, voltemos ao “iluminismo inglês”. É arqui-sabido que a nova direita coloca o iluminismo “moderado” como perfeitamente compatível com a catolicidade e com a tradição escolástica ortodoxa, veja Thomas Woods Jr; em seu livro “The Church and the Market” e em trechos de “Como a Igreja Católica construiu a civilização ocidental”. Falácia, nada mais que uma falácia. Conforme nos mostra Christopher Ferrara em “Liberty, the God that failed: Policing the sacred and constructing the myths of the Secular State. From Locke to Obama”, a “síntese greco-católica” era a base de um raciocínio hegemônico no ocidente, que mesmo com a transição do paganismo para o cristianismo não se perde, apenas funda uma nova estrutura teológica. O hilemorfismo, a teleologia, o realismo e a ideia de valores morais universais que ditam toda a política e a ação humana, continuam presentes. Nas palavras de Ferrara (2012, p.16):
A lógica grega do sistema platônico-aristotélico desenvolveu pela primeira vez na história ocidental, o realismo filosófico, política e ética baseada numa visão de homem como criatura que possui uma alma imortal que habita um universo ordenado, na qual as coisas existem como um objetivo fixado determinado pela sua natureza (tradução livre).
Todos estes elementos estavam presentes nas grandes obras dos filósofos pagãos e que, desvencilhadas do paganismo ganharam nova força sem, entretanto, perder sua essência no cristianismo. Isto é, de Aristóteles a Santo Tomás, de Platão a Santo Agostinho, estará ali a ideia de um universo ordenado, de forma e matéria, acidente e essência, da substância, da realidade como objetivamente cognoscível, bem como a ideia de um summum bonum.

Entretanto, como pontua Richard Weaver em “As idéias têm consequências”, com o nominalismo, a coisa começou a desandar. Porém, não podemos tomar as coisas como se fossem assim tão repentinas, em história nada é repentino. As ideias que enfraqueciam o realismo já estavam em correntes gnósticas anteriormente durante boa parte do medievo, só que sempre limitadas e combatidas pela Igreja. A inquisição, ao perseguir e punir hereges limitava a expansão e legitimidade de tais ideias. Contudo, com a perda de poder e abrandamento da inquisição, bem como o crescimento do humanismo (que como mostrará o professor Orlando Fedeli no “Antropoteísmo” era a gnose no ar, na arte e na cultura), isto levará a influência nominalista, antes combatida e agora tolerada, para dentro dos seminários, onde em Erfurt, um certo monge agostiniano aprenderia as ideias que dividiriam a cristandade, e as pregaria na porta da igreja do castelo de Wittermberg num fatídico 31 de Outubro de 1517.

É um fator importante de se frisar, em que pese o cisma de 1054 ter tido terríveis consequências, ele nunca abalou as bases filosóficas da “síntese greco-católica”; com o protestantismo seria diferente. O nominalismo é a filosofia de base da reforma, onde nenhuma essência é cognoscível e, se ela não existe, é mero flatus vocis. Palavra vazia. Daí não se tornará possível conhecer a natureza das coisas, e, não tendo uma natureza intrínseca, serão puros fenômenos. Deus mesmo, não terá, assim, uma essência cognoscível, logo, o justo não é aquilo conforme a natureza divina, mas sim um ato da vontade arbitrária. Não podendo também aceder-se ao conhecimento de Deus pela razão, visto que as coisas não têm essência, então, cai-se no fideísmo.

A reforma ao criar através das Igrejas nacionais e dos reis que se põem no lugar do Papa, uma intelligentsia secular, leiga, descolada da cristandade, criou o ambiente perfeito para a difusão destas idéias. O curioso é que o Brasil Paralelo em momento nenhum menciona ou aprofunda mais do que de mera passagem a Reforma Protestante como fonte de mudanças profundas na mentalidade europeia e, sobretudo, de uma nova civilização. Então, eis que no Brasil Paralelo episódio três, vem se falar de uma cultura secularizada, como criada pelo iluminismo e antes inexistente. Não, não senhor! O iluminismo, de fato, idealizou uma sociedade laica e a desejou, mas não o foi sem causa e sem precedentes. Sua causa eficiente e sua precedência advém do cisma de Lutero, aí sim, encontramos a secularização. Ora, onde mais se não nas guerras de religião e nas perseguições entre protestantes nascerá o desejo por um Estado laico? E onde nascerá isso se não do outro lado do Atlântico?

E Locke?

Conforme mostrará Ferrara (2011, p.60), Locke, um nominalista, revolucionará a filosofia de duas formas:
Primeiro, ele declara que o homem tem o direito de propriedade “sobre sua própria pessoa”, uma novidade que rompe com a visão tradicional do homem como criação divina, que tem apenas uma custódia sobre o seu corpo, o qual ele não pode dispor dele conforme bem entende. Segundo, ele propõe o direito de propriedade como absoluto.
Mas mais do que isso, Locke é o pai do materialismo cientificista moderno. Todos os clamores de Dennet, Dawkins e outros cientificistas jaziam lá em Locke, em germe. Ora, se as essências não existem ou não são cognoscíveis, não faz sentido falar em “substância” com relação aos entes. E se as coisas não tem substância, ou elas não são cognoscíveis, e portanto, não faz sentido falar em substância para o homem, caindo-se no ceticismo e no materialismo. Seja pela inexistência, seja pelo agnosticismo, essa hipótese levará a consequências práticas idênticas.

Se o homem não tem uma essência, não é possível derivar daí o fim do próprio homem, e assim Locke aboliu a teleologia. A ideia da “síntese greco-católica” de que o homem “habita um universo ordenado cujas coisas têm um fim conforme a sua natureza, a sua essência”, é, assim, destruída. Isso se ligará na epistemologia da “tabula rasa” ao conceito moderno de liberdade, como sendo a pura ação descolada da lei divina e natural conforme sua concepção clássica. Afinal, se o justo e o bom são obras de puro voluntarismo divino, não derivando, portanto, da natureza divina, nem o bom, de acordo com cada ente deriva da finalidade que Deus deu à sua criatura na sua própria natureza, então não existe o fim último de cada coisa, fim este que legitimará ou não o ato livre.

Contudo um ponto letal do raciocínio Lockeano encontra no fideísmo protestante a sua fundamentação. Ora, se Deus não é racionalmente compreensível, cognoscível, então, só podemos crer nele por um ato de fé pura e simples. Contudo, com uma cultura que não é censurada pela inquisição e por uma ortodoxia como era a medieval, agora, as opiniões se secularizam, e Locke dará a marretada definitiva no hilemorfismo ao afirmar no seu “Ensaio sobre o entendimento humano”, de que o homem não é união de forma e matéria, e que o “self”, o “Eu”, seria apenas uma propriedade da matéria, do cérebro (Dawkins e Denett na área?), ora, não seria o ceticismo a “genetrix” do naturalismo?

Ei-la aí, a raiz dos movimentos progressistas modernos, como o abortista, por exemplo. Afinal, se “homem” é apenas um nome que damos a uma coleção de atributos perceptíveis; se “homem” não é uma substância, uma unidade de corpo e alma divinamente criada com uma natureza e fins fixados por Deus; se o homem é apenas matéria com uma qualidade que é “pensar”, então, quem poderá dizer que um feto é um ser humano no útero da sua mãe com direitos? Mesmo para os clérigos anglicanos, isso foi considerado escandaloso àquela época. Então, se Locke em continuidade com uma tradição reformada, só que secularizada, escandalizava os calvinistas, quão mais revolucionário não será ele em relação à catolicidade? Do fideísmo ao ceticismo de Hume e Locke há apenas um passo de distância. Todas essas ideias já estavam presentes no “cogito cartesiano”, é verdade, e como o próprio Olavo de Carvalho nos apresenta em “Visões de Descartes” (autor inquestionável para a turma do Brasil Paralelo), as ideias protestantes tinham muita influência sobre René Descartes, uma das razões dos pesadelos com o gênio mau, inclusive. Contudo, para ser mais ortodoxo quanto às fontes, cito o grande tomista brasileiro Perillo Gomes:
Tratando das suas origens, Pio IX é categórico no Syllabus, na infomação que nos dá: essas liberdades provem de teses fundamentais da revolução luterana e propagaram-se pelo mundo graças aos pseudo-filósofos da enciclopédia no século XVIII e triunfaram com a revolução francesa. Se desejar investigar sua origem mais remota chegar-se-á ao ponto inicial de todas as negações e de todas as revoltas: o grito de soberba de um anjo rebelado.
O iluminismo “moderado”, como visto em Perillo, é filho do protestantismo, e como colocará Ferrara, não passa de uma revolução tanto quanto o radical francês. O primeiro, radical nas ideias, pragmático na ação; pois se não há substâncias, não podemos dizer com precisão como as coisas são, melhor que elas mudem sozinhas na história, pois sem essências tudo é acidente e tudo muda. O segundo, radical nas ideias e nas ações, queria por uma exacerbação da racionalidade e pelo essencialismo, derrubar tudo e reerguer do zero.

É natural, portanto, que o processo de secularização leve aos conceitos básicos da soberania do indivíduo, em germe em Lutero e seu livre exame, que é a raiz do pensamento liberal, dado em Locke, e também presente em Hobbes, que embora absolutista pode ser chamado de ilustrado. Aliás, cito novamente o grande Perillo: “Os princípios liberais são: a soberania absoluta do indivíduo, a soberania absoluta da sociedade, a soberania nacional, a liberdade absoluta de imprensa e a liberdade absoluta de associação”, e eu complementaria, a completa liberdade de mercado, a liberdade absoluta de ideologias, conteúdo do pluralismo político, etc. Logo temos, política sem moral e sem virtude, economia sem moral e virtude, jornalismo sem moral e virtude, etc.

Ou seja, quando Morgerstern, a olavette processada por Caetano diz: “Esquerda é isso”, referindo-se aos jacobinos, temos que realmente nos perguntar se isso não se aplica ao girondinos também, afinal segundo o próprio Olavo de Carvalho, guru do processado, em seu artigo zombando do bobalhão liberal Rodrigo Constantino, diz: “Os girondinos, dos quais os liberais modernos se apresentam como herdeiros ideológicos, foram os primeiros a pregar a matança como panacéia revolucionária para os males da França[1].” Na prática, como eu já venho dizendo, todo conservador-liberal é um revolucionário superado pelo processo revolucionário.

Bonifácio, Revolução Americana Conservadora (?)

A expressão founding father utilizada nos Estados Unidos, é usada nesse episódio duas vezes, uma para se referir a José Bonifácio de Andrada e Silva e na outra a Visconde de Cairu. Ora, isso é ou não é já a americanização do debate historiográfico acerca das origens do Brasil? Categorias americanas bem restritas, passam a ser as medidas de comparação com a história brasileira! Como já citado, Christopher Ferrara irá mostrar, demolindo completamente a falácia Kirkeana de que a revolução americana fora uma revolução conservadora, o caráter claramente subversivo da revolução, marcada por manipulação da opinião pública através da imprensa da época (herdado da reforma protestante que se valeu do mesmo artifício, tal elemento foi utilizado para propagar factoides sobre a "violência" dos ingleses e sobre o "papismo" do rei George); não custa lembrar que “papista” como acusação e adjetivo pejorativo apareceu pela primeira vez nos escritos de Lutero como “Do Cativeiro babilônico da Igreja”, e os revolucionários americanos usaram também de denúncias hipócritas sobre a carga tributária supostamente opressiva da Coroa Britânica. A própria ideia de que a justiça de um imposto depende da representação, aparece pela primeira vez em Locke, mas não tem qualquer fundamento no pensamento filosófico tradicional. Soberania popular e voluntarismo?

Se a revolução americana é tão conservadora, por que ela era, antes de tudo, anti-Católica? Por que John Adams temia como ao demônio os direitos e a influência da Igreja em Quebec? Ao identificar o rei George III como um “papista”, eles queriam dizer o quê, se não a união entre o poder temporal e o poder eclesiástico previsto na doutrina dos dois gládios? O Brasil Paralelo argumenta que não há ligações entre a revolução americana e a francesa nos fundamentos e na prática, resta saber como separar James Maddison e Thomas Jefferson de suas influências que vem de Voltaire e dos enciclopedistas? Como negar que o braço direito de George Washington, Thomas Paine achou justa a remoção e assassinato de Luís XVI, mesmo sendo um “rei moderado”, pelo simples fato de ser um rei? Para Paine, a monarquia é inerentemente injusta e deve ser eliminada onde quer que ela exista. Como diferenciar essa afirmativa da mesma dos Jacobinos, que segundo William Doyle (1991, p.15) em “O Antigo Regime”, de que o objetivo dos revolucionários envolvia derrubar todas as monarquias do continente?
O "feudalismo" deveria ser destruído; e as terras da Igreja confiscadas. Em outras palavras, o Antigo Regime passava a ser encarado como um fenômeno não simplesmente francês. Podia ser encontrado onde quer que houvesse reis, nobres, privilégios, feudalismo e propriedades eclesiásticas. E isto representava a maior parte da Europa.
O próprio Rothbard, libertário, chama a atenção que a revolução americana provocou mais refugiados em proporção dos habitantes do que o Terror jacobino. Como pode isso não ter ligações com a doutrina francesa? Por que, como Chesterton notou, um dos grandes defensores da Revolução Americana, Edmund Burke, adota o evolucionismo e o ceticismo de Hume como defesa da Tradição e não o direito natural clássico, já que ele estaria em plena conformidade com a cristandade? Por que não se usou o direito natural clássico para coibir os abusos da doutrina de Robespierre baseada numa distorção do jusnaturalismo? Será porque Hume, outro nominalista, o guilhotinou?

O próprio George Washington havia dito, pouco antes da revolução que o rei George III não era um tirano, mais do que isso, que era “o melhor dos reis”. Aliás, a historiografia contemporânea mesmo nega a hipótese de tirania; se a Revolução Francesa e Americana foram alguma coisa, elas foram mera agitação ideológica com drásticas consequências, e o seu fruto foi semente da república imperial, liberal, laica da moral civil a qual Olavo, mentor dessa turma, denuncia no seu “Jardim das Aflições”, livro que hoje ele nega a validade das conclusões, mas que é seu magnum opus, e ao qual todos os americanistas louvam, paradoxalmente. A constituição americana, cujo Deus é o GADU da maçonaria, era razão de escândalo mesmo para calvinistas, que diziam ser ela: "the godless constitution". Foi a National Reform Association, inclusive, que tentou em vão emendar a Constituição com uma menção explícita a Deus e a Jesus Cristo.

Acresça-se a isso, os sacrifícios rituais de tendência gnóstica nos “liberty poles” e “liberty trees” ocorridos no período da revolução americana, onde inimigos da revolução eram forçados a jurar lealdade a mesma, sob a pena de serem mortos ali em sacrifício a deusa Libertas. É essa sociedade gnóstica e violenta que é modelo? É essa sociedade que privatiza a fé que é o parâmetro para um país que nasceu pela fé Católica, pelo altar e pelo trono? Ora, é novamente Perillo quem vai nos explicar o que é esse modelo liberal-americano em face da tradição católica, vejamos com ele se ela é conservadora:
O liberalismo radical (NdT: jacobinismo) é ostensivamente ateu, anticlerical, demagógico e revolucionário. Como expressão política proclama a supremacia do estado sobre o indivíduo e as corporações de qualquer natureza. O liberalismo moderado (NdT: ou conservador) tenta uma fórmula de conciliação entre os princípios do liberalismo radical e a coexistência do sobrenatural, determinando na vida do homem um dualismo fundamental: de um lado as atividades da fé e de outro as cognoscitivas, cívicas, utilitárias, etc. A razão, portanto, nada tem a ver com a revelação; os dois planos da vida, o natural e o sobrenatural são independentes entre si, como dois departamentos estanques. (NdT = Nota do Transcritor)
Prossegue Perillo:
Sua fórmula política é a igualdade entre os poderes espirituais e temporais, essa pretensa igualdade em si mesmo já é uma heresia. Não é possível nivelar a vida religiosa, que interessa a vida futura do homem - sua vida verdadeira - àquela a que estão confiados apenas os seus interesses imediatos, tangíveis, transitórios. Além disso, essa declaração de igualdade é puramente teórica, não corresponde à realidade, porque não podendo existir dois poderes autônomos, absolutos, interessando ao mesmo indivíduo, daí resulta que na prática o Estado, sob alegação de que lhe cabe a função de mantenedor da ordem, impõe a Igreja as soluções que bem lhe parecem. Daí os conflitos que se verificam entre a Igreja e as liberdades modernas.
Como podemos ver, a historiografia Whig do Brasil Paralelo simplesmente segue a lógica Lockeana, e demole a Cidade de Deus da qual falava Santo Agostinho. Como podem homens que querem recuperar a história do Brasil, um país mercantilista, miscigenado e católico, o fazerem sobre bases liberais, segregacionistas e protestantes? Não podem, não tem como, e o resultado é isto... Propaganda. O Brasil Paralelo não passa de pura empulhação ideológica no que se refere a fazer um recorte de fundo para narrar a história do Brasil. Como eu disse de começo em artigo prévio, o programa tem o mérito de fazer uma história patriota, o que para um público leigo é aceitável. E eu acredito na História como magistral vitae, assim como Cícero. Mas não é necessário distorcer a história, inventá-la, mentir e omitir.
Síntese escolástico-liberal e católico-maçônica.

Qualquer conciliação entre a síntese católico-maçônica de Bonifácio e escolástico-iluminista como a de Cairu (se é que tal junção existe), mencionada aos 37:47 do episódio, não passa de heresia, as velhas heresias nominalistas ressuscitadas pela equipe do Brasil Paralelo. As mesmas heresias que o Papa São Pio X irá condenar sob a alcunha de modernismo; afinal, o que é o americanismo e o catolicismo liberal se não modernismo? Os católicos que não se enganem, nada há de católico e “conservador” no Brasil Paralelo. Só é possível adotar um escolasticismo liberal caindo em heresia, então católico, escolha: a cidade de Deus ou a cidade dos homens?

Aos homens do Brasil Paralelo, pergunto-vos: (pois sei que muitos ali se dizem católicos) quem sois vós? católicos ou hereges? a Igreja ou o liberalismo? ESCOLHAM!


#Arthur Rizzi
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O Brasil Paralelo é uma produção ideológica que visa "americanizar" a história do Brasil.

O Episódio 2 do Brasil Paralelo teve coisas positivas, aliás, a intenção do Brasil Paralelo parece-me a princípio, muito positiva, que é romper com uma narrativa anti-portuguesa, materialista de esquerda em relação a nossa história. Todos que aprenderam história do Brasil pelos óculos da esquerda, aprenderam uma história do Brasil sem heróis (ou quase sem heróis visto que a esquerda tem seus heróis pessoais) e desinteressante. A história do Brasil seria, portanto, objeto de vergonha, escárnio, opróbrio e vexame. Seria uma história de tragédias, desgraças, opressão, golpes e exploração. Nesse sentido, o Brasil Paralelo por fazer uma história patriota (ainda que secular) tem seu mérito, embora não fique claro se seu intento é plenamente atingido.

Mas não posso deixar passar coisas ditas que são inverídicas. Os fins não justificam os meios; já dizia o ditado popular. O segundo episódio embarca, especialmente no seu final, na tese de Bruno Garschagen em seu livro "Pare de acreditar no Governo"; de que o sucesso do Brasil dependeu sempre dos períodos em que o Estado não foi presente. O livro é uma verdadeira peça ideológica feita com o único intuito de encaixar a história brasileira na narrativa da escola austríaca de economia. O número de distorções, falácias contrafactuais, anacronismos é assombroso e reside na base mesma do argumento de Garschagen. Não cabe neste artigo tocar em todos estes pontos, mas mencionarei uns de passagem.

Garschagen trata a economia como se tivesse leis econômicas imutáveis e perfeitamente atemporais, bem como rígidas como as leis da física. Nada mais falso, como demonstrado por economistas keynesianos (Steve Keen – Debunking Economics) e distributistas (John Médaille - Toward a truly free market). O jurista e filosofo Christopher Ferrara em The Church and libertarian aponta o mesmo, na qual fica claro que as organizações sociais dos mais diferentes estilos podem apresentar um traço ou outro que existe no capitalismo moderno, mas não os mesmos e nem na mesma quantidade. A lei da oferta e da demanda, mesma, é no máximo uma tendência econômica (soft law) que tem como base certos comportamentos humanos, mas jamais uma lei física, uma hard law, como pontua Thomas Woods (The Church and the market). Só da obra decidir analisar uma história multissecular em categorias como corporativismo no seu sentido moderno (crony capitalism), intervencionismo (como se falássemos de escolas desenvolvimentistas, keynesianas, kaleckianas, e não de um lento desenvolvimento de uma estrutura feudal corporativa em sentido medieval) já é em si mesmo um perfeito exemplo de anacronismo.

Nisto, inclusive, Garschagen deixa pouco a desejar a um marxista que reduz a história a essas mesmas leis econômicas universalmente válidas e que aparecem (sob a óptica marxista) na dialética materialista desta escola de pensamento. 

Contudo, como o assunto é o episódio dois da série Brasil Paralelo: "A Última Cruzada"; a Legião pediu-me que escrevesse uma análise. E ao ver o mesmo, percebi que muito do que foi narrado já estava previamente no livro de Garschagen; vou abordar em meus argumentos elementos apontados tanto no filme quanto no livro como forma de apontar erros ao meu ver, não acidentais. Também, mostrar incongruências entre a tese de Garschagen e a exposição da própria série. 

É óbvio - deixo claro – que toda obra historiográfica esbarra em algum discurso ideológico, mas que não se deriva daí que ela tenha a ideologia como fim. O caso é que a obra do Garschagen foi feita tendo a ideologia como fim, selecionando para uma conclusão pré-concebida, as evidências conforme o seu gosto. Acusação séria? Sem dúvidas. Contudo, como veremos, não é de toda sem fundamento.

Quando o episódio trata dos jesuítas até o Marquês de Pombal, é praticamente todo o trecho da obra de Garschagen que vai da página 35 até página 53 que está transposto em imagens, desenho, trilha sonora e entrevista. 

No livro, na página 38, Graschagen argumenta que o crescimento econômico do fim do século XVII se deve a não intervenção do Estado na economia, especialmente no mercado interno. Na página seguinte, 39, ele completa seu raciocínio dizendo que a causa do fracasso dos negócios em Pernambuco foi a atuação do Estado. Em resumo: O Brasil cresce porque o Estado não atrapalha, e naufraga onde o Estado põe a mão.
"O Brasil colônia viveu um momento de grande crescimento econômico no fim do século XVII e no início do século XVIII por conta da expansão de seu mercado interno, e não das exportações. Esse ambiente de negócios aquecidos provocava elevações gerais de produção e de preços por todo o território [...] A única região que não acompanhou as demais foi a que na época era formada pelos atuais estados da Paraíba e Rio Grande do Norte."
E por que não acompanhou? Garschagen acusará o Estado português. Isto poderia ser um erro simples, poderia ser uma análise equivocada, mas me parece pura e simples omissão imperdoável.

Garschagen omite enormes intervenções estatais portuguesas no período, de acordo com Furtado (1979, p.69) para corrigir os problemas da balança comercial ocasionadas pela crise do açúcar que devido à concorrência das ilhas do Caribe, havia minado o monopólio português sobre o produto no mercado Europeu.
"As repetidas desvalorizações cambiais (o valor da libra sobe de mil-réis para três mil e quinhentos réis entre 1640 e 1700) refletem a extensão do desequilíbrio provocado na economia lusitana."
Como João Fragoso coloca na sua História Econômica do Brasil Colônia, até que D. Maria I proibisse as manufaturas em definitivo no Brasil, em fins do século XVIII, a atividade manufatureira seguia aqui anêmica, espreitada entre as limitações do Estado através Governo-Geral e da vista grossa da autoridade às necessidades do mercado interno.

Com as desvalorizações cambiais, os produtos ingleses que chegavam ao Brasil através da Metrópole chegavam muito mais caros, o que favoreceu um desenvolvimento manufatureiro, que passou a tirar braços da agricultura, uma das razões inclusive, que levou Dona Maria a emitir seu famigerado decreto. Garschagen omite que, desvalorizações cambiais produzem inflação de custos e queda posterior de demanda dos produtos manufaturados importados.

No episódio, mais especificamente, fica claro que a alegação de que o estatismo nasce aqui com o Marquês de Pombal é um exagero inspirado em Garschagen, mas que além de ser uma versão muito mais simplista (já que Garschagen no livro coloca o dedo do estado português desde a aurora do país), é mais conveniente aos propósitos do documentário. Nem ele, Garschagen, mesmo ousou escrever uma tese dessas, de que aqui havia liberdade plena de mercado. 

O episódio dois coloca uma ideia muito estranha em cena, a de que antes de Pombal, vigorava aqui o mais estrito liberalismo econômico, e que graças a Pombal, o estatismo veio a grassar por aqui. Nada mais falso, como o próprio Garschagen coloca (p.30), o Brasil é uma obra de "Parceria Público-Privada" (outro anacronismo, visto que as relações feudo-vassálicas medievais eram de característica análoga). 

Desde o primeiro momento, o Brasil sofreu uma enorme carga de intervenções da Metrópole. Favores políticos e honrarias típicas de uma sociedade ainda bastante feudal em seu funcionamento eram feitas àqueles fidalgos que instalassem engenhos no Brasil; inclusive isenções de tributos no início (FURTADO, 1979, p.41). Os colônos que viessem para o Brasil e instalassem fortes e vilas para extração de Pau-Brasil, tiveram isenção tributária no primeiro ano, entretanto, no segundo, terceiro e quarto os impostos cresceram vorazmente (cf. VIANNA, p.109)

Só o fato de o Brasil ser um monopólio já é uma contradição com a ideia de que aqui vigorava o mais livre dos livres mercados. A capitulação de Zaragoza em 1529 envolveu justamente as monarquias espanhola e portuguesa negociando uma trégua na pirataria e no contrabando de Pau-Brasil. Para exploração do território nacional, era necessário ter cartas de marca, que se não fosse obtida por cair nas graças do Rei, era obtida por preços enormes que somente a aristocracia lusa era capaz de pagar.

Em 1534, começa a política da vintena para que se instalasse em definitivo aqui uma colonização com cidades e vilas, na qual a côrte subsidiaria 80% dos custos de instalação da empresa colonial, deixando apenas 20% nas contas privadas. 

Momento Dilma:

No raiar no século XVII, temos um "momento Dilma", a medida em que os capitães donatários adentravam o território e ia extraindo pau-Brasil, o Rei Filipe II, passou a fazer concessões e arrendamentos de campos de extração régios à pequena e média nobreza luso-hispânica, por períodos pré-determinados de tempo. Tal prática ainda hoje, com as devidas modificações tecnico-históricas, são muito similares às praticadas pela ex-presidente Dilma Rousseff na questão dos aeroportos. Convenhamos, que não é de maneira alguma, o melhor exemplo de "liberalismo econômico". 

É forçoso lembrar o que Alfred Müller-Armack coloca em "Regime Econômico e Política Econômica", que uma economia pode ser livre sem ser liberal; em geral as relações econômicas no medievo eram livres, mas não eram liberais visto que as instituições do capitalismo moderno não existiam e que as ideias liberais ainda não haviam nascido. Então, só de tratar de "intervencionismo" no episódio como se fosse a mesma coisa que intervencionismo hoje, é mais um caso de anacronismo.

Momento Marina Silva:

Em 1605, o Rei Filipe II, preocupado com os danos às florestas de Pau-Brasil que a extração legal e ilegal para contrabando causavam, impôs neste mesmo ano aquela que pode ser considerada em certo sentido a primeira lei ambiental brasileira. É óbvio que é força de expressão, pois a consciência ambientalista que move Marina Silva não existia àquela época, mas como o fim prático foi a preservação do Pau-Brasil, pode-se dizer que por meios e ideias outras (as de seu tempo), os fins eram análogos. O Regimento, segundo Vianna (1967, p.115): "Pretendia com isto evitar o desaparecimento das matas, que a destruição sistemática do vegetal determinaria." E como não fosse interferência bastante, já após o fim da união entre Espanha e Portugal, determinou a côrte lisboeta a criação em 1649 da Companhia Geral do Comércio do Brasil, quer seria uma espécie de "Pau-Brasilbrás" ou "Cana-de-açúcarbrás", para fazer extração de engenhos e campos de extração régios, regular e comprar dos engenhos privados e vender para a Europa. Ou seja, livre comércio? Nem pensar, temos aqui algo que vagamente nos lembra um misto de empresa estatal e agência reguladora; guardados - é claro - ás devidas distinções históricas.

A cana-de-açúcar não eram distintas, desde as ilhas oceânicas dominadas por Portugal, já se vinha instalando engenhos para extração do açúcar. Na Ilha da madeira havia os chamados "lagares do Principe". O que eram? Engenhos de cana-de-açúcar cuja propriedade era régia. Em 1550 já havia no Brasil uns poucos engenhos. Um deles chamava-se "Engenho do senhor governador"; que seria isso se não um engenho pertencente ao governo que residia na capital da colônia?

Quanto aos lagares e engenhos privados, os impostos muitas vezes ascendentes, extraíam bons recursos para a coroa, ao passo que no nordeste dominado por holandeses em meados do século XVII, a arrecadação despencava com derrubadas de impostos para estimular a produção em vias de fracassar. Em 1640 os holandeses extraíram 400.000 florins de taxas sobre os engenhos, 5 anos depois havia despencado para 229 mil. Ou seja, os holandeses eram bem mais liberais que os imposteiros ibéricos. Não obstante isso, os engenhos foram um sucesso no centro-sul. Em 1570, havia 60 engenhos no Brasil e se exportava 70 mil arrobas de açúcar; 14 anos mais tarde eram 115 engenhos exportando 350 mil arrobas. Em 1711, 141 anos depois, esses valores já estavam em muito superados, mais de 500 engenhos e exportando 1 milhão e 400 mil arrobas; um crescimento de mais de 10 vezes nesse período.

Então, ao que parece, todo o estatismo não foi um problema para a empresa colonial portuguesa.

Celso Furtado na Formação Econômica do Brasil mostra a lucratividade desse sistema, a renda líquida oscilava entre 2 milhões de libras e 2 milhões e meio de libras que ficava retido nas mãos de uma população europeia que não passava dos 30 mil habitantes. Em termos per capita os colônos eram riquíssimos! (p.43)

E mais Estado...

Com o falhanço das capitanias, o Rei teve de assumir muitas delas, então no maravilhoso "liberalismo econômico" do Brasil Paralelo (alegação que mistura uma caricatura de Garschagen e de Caldeira), havia até capitanias "estatais"! Garschagen na página 39 diz que a coroa havia decidido intervir e se apropriar da capitania de Pernambuco para colher impostos. Será? Vianna (1967, p.267) nos responde: "Tendo competido a coroa, e não ao Donatário, a maior parte das despesas causadas pela guerra e expulsão dos holandeses de Pernambuco, também passou à administração régia esta capitania, a mais rica da época".

Ou seja, no Brasil paralelo de Bruno Garschagen os conflitos entre luso-brasileiros e neerlandeses não causaram danos e despesas, não é uma beleza? Como o sociólogo Oliveira Vianna (1938, p.63) coloca, e bem, os ímpetos mercantis e comerciais dos portugueses não foi mais que uma fase bem aproveitada que logo se esmaeceu:
"Desde os primeiros dias da nossa história, temos sido um povo de agricultores e pastores. O espírito comercial dos portugueses do ciclo das navegações, dominante na sua expansão para as Índias, desde que penetra terra brasileira se obscurece, perdendo, aos poucos, a sua energia até desaparecer de todo."
Vianna apontará alguns fatores na sequência:

(1) A grande extensão territorial do país. os portugueses lançavam-se ao mar devido a um território pequeno e pouco fértil. O mar era o complemento necessário da subsistência dos lusitanos.

(2) Ao chegar no Brasil, ao contrário dos Espanhóis que deram de frente com civilizações pujantes, os portugueses deram de cara com povos tecnologicamente muito atrasados e que viviam de uma agricultura rudimentar, caças minguadas e até mesmo nomadismo.

Num ambiente tão pouco propício ao comércio e com uma "terra que tudo dá", não poderia nascer um povo comercial como o ianque, mas sim uma civilização mestiça de agricultores e pastores. 

Vianna (1938, p.86) ainda pontua que as distâncias eram muito grande entre um latifúndio e outro, de modo que toda a vida social ocorrida dentro destes latifúndios ao derredor da atividade açucareira que passa a compor o zênite da vida cultural na colônia. Um único engenho podia estar encerrado num terreno de 14 quilômetros quadrados a quase 170 quilômetros quadrados (2 a 20 léguas), área que abarcaria muitos municípios do Brasil hoje.

Não custa lembrar que o Brasil era parte de Portugal, então olhar tudo da óptica brasileira como se fôssemos um sistema autônomo é um erro. Em 1684, Portugal aplicando medidas protecionistas conseguiu praticamente abolir o comercio de tecidos ingleses em suas terras. Medidas estas que só seriam derrubadas na aurora do século seguinte pelo pacto de Methuen (cf. FURTADO, p.81). Então, onde está o tal "liberalismo econômico" que o Brasil Paralelo alega?

As democracias liberais do Brasil

Segundo o Brasil Paralelo, num outro grande anacronismo, o Brasil foi a primeira democracia liberal do ocidente, pois nas câmaras municipais havia eleições. O que eles não contam é que as eleições usavam um sistema tardo-feudal que já existia não só em Portugal mas também em outros reinos da Europa. Aliás, as raízes do sistema podem ser rastreados até o Império Romano, pois eram elegíveis apenas os "homens bons". Quem seriam eles? Nobres, funcionários públicos e membros do clero. Uma mistura do romano boni et optimi herdado através dos antigos reinos visigóticos com as velhas estamentações feudais. Não custa lembrar que na Revolução Francesa, o sistema de três estados era bem parecido, clero, nobreza e populacho.

Não só isso! Que raios é esse de democracia liberal que aquele que era um dos cargos mais relevantes do sistema, se não o mais, que era o de juízes de fora eram indicados diretamente pela coroa? Logo, além de anacrônico, forçar a alegação de "democracia liberal" no Brasil colônia é também uma forçação de barra sem precedentes, pois poderíamos falar assim da tão louvada pelos libertários, Islândia medieval, que tinha um sistema jurídico popular e democrático, uma república. Poderíamos falar também da república de Cospala e outros lugarejos medievais que eram bem mais democráticos do que o sistema brasileiro, enfim.

Em que pese ter seu mérito, o Brasil Paralelo se ampara sobre afirmações que não constituem meros erros históricos, mas claramente omissões de fatos e de mentiras ideologicamente motivadas, com a finalidade de americanizar (The star-spangled heresy) a história do Brasil, e tais intentos são muito pouco históricos e muito mais políticos. O que pretendem estes senhores? Não sei ainda. Mas acompanhemos até onde irá o Brasil Paralelo com essa narrativa.



#Arthur Rizzi
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Quem está por trás do Brasil Paralelo? Ninguém menos que a pérfida maçonaria.


Senhores, mais uma vez o mundo olavético nos presenteia com um show de comédia política e histórica. Não bastasse a histeria de considerar tudo fruto de conspirações russas ou comunistas, absolvendo outros agentes, agora os micos amestrados do guru da Virgínia se lançaram no projeto chamado “Brasil Paralelo”. O objetivo é fornecer uma visão da história do Brasil sem a “ideologização esquerdista” que prevalece no ensino da nossa história tal como dado nas universidades e escolas. O projeto conta com patrocinadores e tem uma série de vídeos muito bem produzidos desde o ponto de vista técnico. Tirando a qualidade da imagem, não há nada de muito notável no mesmo – a não ser a ignorância crassa de certos comentários e o fato de oferecer uma interpretação inusitada de nossa história.

O Brasil Paralelo não oferece nenhuma informação decisivamente nova a respeito da história do Brasil. As questões abordadas no primeiro vídeo, no que diz respeito a história de Portugal, podem ser conhecidas em bons manuais. O segundo vídeo “surfa” na idéia de desconstruir visões estabelecidas nas obras de referência didáticas e nas cátedras acadêmicas sobre nossa história pátria. Tal desmontagem é feita, sobremaneira, a partir dos elementos já elencados na obra de Leandro Narloch (Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil), um jornalista que reuniu algumas referências de obras historiográficas nacionais e internacionais de autores que fogem dos esquemas – aqui e acolá – do materialismo histórico.

Vamos adiante pois o que nos move, neste primeiro artigo, não é fazer um exame exaustivo sobre os erros mais graves dos dois primeiros vídeos do Brasil Paralelo, mas sim apontar o fundo do problema que envolve o projeto.

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Primeiro há que destacar a presença de alguns historiadores profissionais no projeto. Há, também, é verdade, alguns professores de história ali. O que é bastante irônico nisto tudo é que sabemos que a Olavosfera se funda na tese de que nossas universidades são cancros intelectuais, idéia mil vezes repetida pelo sr. Carvalho. Todavia, vemos no projeto Brasil Paralelo, um enxame de figuras saídas do mundo universitário brasileiro. Não deixa de parecer contraditório que tenhamos, num projeto que visa libertar o imaginário nacional dos padrões intelectuais acadêmicos, inúmeros figurões acadêmicos? Se os diplomas universitários nada valem, como assevera Olavo, por que recorrer a gente diplomada?

Um deles é Jorge Caldeira, historiador e jornalista. Graduado pela USP – a mesma USP que Olavo defenestra no Imbecil Coletivo como foco do “esquerdismo cultural”– Caldeira, tem, no seu currículo, vários livros publicados e a participação no projeto “Brasil, 500 anos” da Globo. Na época do “Brasil, 500 anos”, não faltaram críticas ao evento por se tratar de uma abordagem rasa e acrítica de nossa História. O “Brasil, 500 anos” do qual Caldeira participou, tratou o país a partir de um crivo mítico: seríamos um país fabuloso, uma "belíssima paisagem". Dessa forma o passado (os traumas da nossa história) era negado. A nossa formação frustrada negada e nosso presente mitificado (a nação promissora e soberana). Sabe-se que o maior idealizador do Brasil 500 é o mesmo figurão publicitário que, numa "Roda Viva" exibido em 97, disse: "Precisamos perder a vergonha e começar a nos vender como país". Ou seja: o Brasil 500 não passava de peça de propaganda. Evidente que não pretendemos reduzir a obra de Caldeira a chanchada do Brasil 500 da Globo mas isto é, no mínimo, um desconforto para o Brasil Paralelo que pretende oferecer uma visão objetiva e séria da nossa história, uma visão profunda e liberta de ideologias se escorando em figuras que participaram de algo tão canhestro.

Note-se, porém, que a presença de Caldeira no Brasil Paralelo não é um acaso, tampouco nossa insistência em tratar dele aqui. Caldeira sustenta a tese de que a dinâmica econômica e social do Brasil, na era colonial, não estava a mercê da Metrópole. Nós teríamos uma dinâmica própria, original. A metrópole perde importância e o Brasil ganha autonomia desde seus albores, dentro desta tese. O motor de nossa história não seria a metrópole mas uma dinâmica interna ao país e às suas particularidades. O papel organizador do governo central e da Monarquia Lusitana, na nossa formação, desaparecem na tese de Caldeira. O Brasil já era uma democracia desde 1532 pois sempre subsistiram eleições para as vilas em toda a era colonial, ele dirá. Nossa economia era livre e empreendedora desde sempre, prova disso é o “papel do fiado” na economia informal, aduz Caldeira. Ora, segundo ele, esta forma de economia e sociedade teria nascido antes da democracia burguesa e seria resultado dos deserdados que colonizam a terra num espírito de confrontação a autoridade central e real. A tese de Caldeira não fica muito distante do molde do materialismo histórico, onde é a luta de classes o princípio explicativo da formação histórica. Deserdados x Poder Régio: este é o esquema de Caldeira. É com tal esquema que o Brasil Paralelo pretende confrontar a visão marxista sobre a nossa História?

A obsessão de Caldeira é confrontar o modelo de Frei Vicente de Salvador, o primeiro historiador brasileiro, o primeiro a escrever uma história do Brasil. Salvador punha o acento sobre a Metrópole enquanto fator organizacional e estruturante de nosso processo histórico.

Outro ponto a notar é que Caldeira defende que os Templários tiveram um papel fulcral no descobrimento do Brasil. Segundo o mesmo esta ligação se daria via Ordem de Cristo, fundada em Portugal por Dom Dinis e que era herdeira da tradição templária. A tese de Caldeira – exposta pela revista Superinteressante - vale a pena ser lida por razões didáticas: serve para evitarmos certos equívocos e simplificações. A tese possui erros notórios, visíveis para qualquer historiador de mediana formação; vamos a eles:

1. “só a Ordem de Cristo, uma companhia religiosa-militar autônoma do Estado e herdeira da misteriosa Ordem dos Templários (veja na página 40), tinha autorização papal para ocupar – tal como nas cruzadas – os territórios tomados dos infiéis (no caso brasileiro, os índios).”

É verdade que a Ordem de Cristo – um reforma da Ordem dos Templários em Portugal - tinha tal autorização mas não é verdade que se pudesse falar, desde 1500, que os índios eram infiéis. A impressão que havia de início na cristandade, era que os índios podiam ser descendentes de Adão, antes do pecado original. A crença na inocência dos índios era baseada na imagem de nudez ressaltada por Pero Vaz Caminha, que será retomada, com menos talento literário, por Vespucci . Caminha contrasta a ingenuidade comercial e a confiança inicial destes homens que, desde o primeiro dia, se estendem e dormem no convés do navio, com a deslealdade, a cupidez e a sede de ouro e prata dos portugueses.


A alegação de Caldeira é simplesmente grotesca para um historiador profissional. Outrossim Caldeira tenta mostrar que nossa descoberta teria sido fruto de um conhecimento preservado em segredo pelos templários e que, portanto, não teria sido ocasional como diz Frei Vicente de Salvador: “A terra do Brasil, que está na América, uma das quatro partes do mundo, não se descobriu de propósito, e de principal intento; mas acaso indo Pedro Álvares Cabral, por mandado de el-rei d. Manuel, no ano de 1500 para as Índias, por capitão-mor de 12 naus, afastando-se da costa de Guiné, que já era descoberta ao Oriente, achou estoutra ao Ocidente, da qual não havia notícia alguma, foi costeando alguns dias com tormenta até chegar a um porto seguro, do qual a terra vizinha ficou com o mesmo nome”. (História do Brasil por Frei Vicente do Salvador; Livro Primeiro, Capítulo 1). Ora Frei Vicente teve acesso a muitos documentos da coroa lusitana sobre nossa descoberta e início de nossa colonização além de ter tido acesso a muitos testemunhos orais de pessoas que haviam presenciado acontecimentos. Alegar que houvesse uma desconfiança dos portugueses quanto a existência de terra para este lado do oceano é até plausível. Afirmar que templários sabiam da existência do Brasil é pura especulação que não pode ser apoiada nem mesmos em indícios. Isso deixa clara a incompetência analítica de Caldeira.

2. “No começo do século XV, Portugal era um reino pobre. A riqueza estava na Itália, na Alemanha e em Flandres (hoje parte da Bélgica e da Holanda). Então como foi que os lusitanos encabeçaram a expansão européia? A rica Ordem de Cristo foi o seu trunfo decisivo.”

Mais uma vez Caldeira erra. Há referências de relações comerciais entre Portugal e o Condado de Flandres desde 1267 (In: Joel Serrão, "O carácter social da revolução de 1383", p. 95, Livros Horizonte, 1976). Em 1297, com a conclusão da Reconquista, o rei D. Dinis fez políticas em matéria de legislação ordenando a exploração de minas de cobre, prata, estanho, ferro, organizando para exportação, a produção excedente para outros países europeus. Em 1293, D. Dinis instituiu a Bolsa de Comércio, um fundo comercial para a defesa dos comerciantes portugueses em portos estrangeiros, como o Condado de Flandres, que tinham de pagar determinadas quantias em função da tonelagem, obtidos por eles quando necessário (In: E. Michael Gerli, Samuel G. Armistead, "Medieval Iberia: an encyclopedia, Volume 8 of Routledge encyclopedias of the Middle Ages", p.285) . Em 1308, assinou o primeiro contrato comercial de Portugal com a Inglaterra.

Portugal, portanto, já possuía capital acumulado suficiente e uma estrutura comercial para custear a expansão marítima. Não é necessário recorrer a Ordem de Cristo para explicar o financiamento das conquistas. Desde o fim do século 13, Portugal estava ligado às praças mercantis mais importantes do mundo europeu. Ainda que o capital da Ordem tenha sido usado neste processo nada demonstra que ele tenha sido a causa decisiva, pois o processo já estava em curso antes mesmo do estabelecimento da referida Ordem no reino lusitano.

3. ”Em 1416, quando assumiu o cargo de grão-mestre, d. Henrique lançou-se à diplomacia. Passaram-se cem anos desde que os templários haviam sido condenado nos processos de Paris e o Vaticano estava preocupado com a pressão muçulmana sobre a Europa, que crescera muito no século XIV.”

O Vaticano só foi criado pelo Tratado de Latrão em 1929.

Cremos que um erro tão grosseiro basta para demonstrar que Caldeira não é lá grande coisa.

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Além de Caldeira, o Brasil Paralelo traz outras figuras pouco relevantes para se entender a história do Brasil como Rafael Nogueira - que sequer é formado em história; segundo o site do projeto, ele se destaca por ser “Aluno de Olavo de Carvalho há dez anos” além de ser formado em filosofia e Direito pela Universidade Católica de Santos e pós-graduado em Educação; o site diz que ele é pesquisador da história mas não refere que pesquisas seriam estas e onde elas se encontram - Thomas Giuliano - que segundo o site do projeto “respeita a singularidade do direito à escolha própria dos indivíduos” e que se autodefine como pesquisador autodidata – Sérgio Pachá – chamado historiador pelo site do projeto mas que não tem formação alguma em história (a não ser em língua e literatura) nem nada publicado sobre História, pelo que sabemos – Daniel Fernandes – segundo o site ele “é pesquisador dedicado aos estudos patrísticos e à história intelectual do Brasil contemporâneo” mas sem nenhum artigo, livro, livreto publicado sobre tais “pesquisas” - entre outros. No mais, a maioria dos nomes responsáveis pelo projeto, são de áreas estranhas a história, não estando habituados ao trato científico com os problemas historiológicos e historiográficos, não tendo nada publicado sobre história de Portugal, Brasil, colonização, navegações lusas, tirando uma ou outra exceção (Caso de Alberto da Costa e Silva).

Trataremos da incapacidade teórica e prática no lidar com a História, por parte do projeto e de suas figuras, mais a frente. O que queremos agora é compreender o que está por trás do projeto e a razão de a tese de Caldeira ser bastante veiculada no primeiro vídeo da série. 

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Lembremos que, tempos atrás, a Olavosfera promoveu um documentário sobre José Bonifácio. Nele a tese basilar é que Bonifácio teria sido o pai do Brasil, aquele que concebeu e pensou o país como Estado Nação. Não custa recordar que Olavo de Carvalho, faz anos, vem insistindo num louvor demasiado à tradição estadunidense. Logo, não é sem razão que a referência a Bonifácio se faça nestes moldes. O modelo interpretativo que aparece no documentário sobre Bonifácio lembra muito a interpretação dominante sobre a história dos EUA. Bonifácio vira o “Fouding Father” do Brasil, exatamente como os EUA tiveram os seus “Founding Fathers”. Na concepção do documentário o Brasil, mais que projeto da Monarquia Lusitana, é obra de um maçom, assim como os EUA foram obra da articulação maçônica. Aliás quem assevera que os EUA são fruto disto não somos nós mas Olavo mesmo: para sermos mais específicos o sr. Carvalho aduz que a aristocracia dos Estados Unidos, como ele afirma no Jardim das Aflições – livro do fim da década de 90 que foi reeditado recentemente - é toda maçônica: “todos os signatários da Declaração de Independência são maçons” – o que é verdade, diga-se de passagem. A maçonaria é responsável, segundo Olavo, não por este ou aquele evento histórico determinado, mas pela “determinação do âmbito dentro do qual os eventos históricos se desenrolaram”.


Ninguém ignora a atual Americanofilia de Olavo. Esta fica patente seja pela adoção de um discurso político que se pauta por um conjunto de idéias que remetem à ideologia do partido republicano – as loas dele ao antigo governo Bush e seu anti obamismo radical deixaram isto claro por anos a fio - seja pelo seu hábito de desculpar a cultura e história dos EUA por qualquer coisa relativa a “globalismo ocidental”, seja mesmo pela opção de valorizar, sobremaneira, escritores anglo-saxões no famigerado COF.

O plano de Olavo – já delineada no True Outspeak, no COF, nas suas intervenções culturais várias - que explica a natureza profunda do Brasil Paralelo, é bem simples: despojar o Brasil de sua identidade própria, de sua forma de ser, para adotar um outro modelo de civilização. Mas não era disso que ele falava no livro “O Futuro do Pensamento Brasileiro”, onde ressaltava que, quanto mais nos ocupássemos de nossa identidade menos relevância teria nossa cultura? Assim ao invés de enfatizar nossa raiz “patriarcal-corporativa-centralista” de origem lusitana, enfoca-se uma nova tradição “individual/liberal/democrática” (Não é sem razão a participação de um Bruno Garschagen e de membros do Instituto Mises Brasil no projeto; lembramos que Garschagen força uma interpretação da história econômica do Brasil em bases liberais onde chega mesmo a dizer que, antes de Pombal, havia uma tradição de livre iniciativa no país) bem parecida com a estadunidense (Tínhamos liberdade econômica mas veio Pombal e nos tirou este direito como ocorreu com as 13 colônias que tinham liberdade mas vieram a perdê-la graças as intervenções do governo inglês). Ora, se somos assim tão parecidos por que não nos espelharmos na tradição dos EUA a fim de restaurar a pátria? 

Então, onde o Brasil Paralelo quer chegar? Nos parece claro que o objetivo do projeto é o seguinte:

1. Valendo-se da tese espúria de Caldeira, os templários viram a "elite que forjou Portugal" e, por tabela, do Brasil (Diga-se de passagem que a tese da influência templária direta, ou mesmo decisiva, sobre as navegações, é apenas uma hipótese sem prova histórica contundente. Essa hipótese ignora que portugueses, galegos e bascos já eram pescadores desde muito cedo. A caça à baleia começa no Mar da Biscaia no final do século, 10 pelo menos. Que eles chegariam do outro lado do mar era algo que aconteceria com ou sem templários).

2. Sabe-se que a tradição maçônica remete aos templários como sendo a origem de alguns de seus títulos iniciáticos, graus, símbolos, doutrina.

Ora é evidente que tal tese – a de uma continuidade entre templários e esoterismo maçônico - ainda precisa ser devidamente comprovada mas ela é bastante plausível pelas seguintes razões:

- Uma das acusações de maior peso, no processo contra os Templários, sem dúvida, foi a das suas relações próximas com o Islão. Em 1229 Frederico II coroou-se rei de Jerusalém, após ter negociado com os muçulmanos sunitas do Egito a rendição e entrega da Cidade Santa. Nunca obteve o reconhecimento como rei de Jerusalém por parte dos Templários e nem tampouco do sultão do Egito; supõe-se que aqueles devem ter auxiliado secretamente a surpreender e a vencer no campo de batalha o autonomeado rei de Jerusalém. No processo movido contra os Templários o Papa Clemente V lembrou este episódio para fundamentar a sua condenação. 

- Durante o julgamento dos cavaleiros da Ordem em Paris, foi invocado contra eles o episódio daquele guerreiro cristão franco recém-chegado a Jerusalém que os Templários repreenderam por ter molestado um árabe durante a sua oração, episódio que fora narrado em primeira mão pelo próprio molestado, o príncipe Usama ibn Munqidh, embaixador do sultão de Damasco cerca de 1175, considerado um amigo do Templo:

“Quando estava em Jerusalém – escreveu Usama – costumava ir à mesquita Al-Aqsa, a Cúpula da Rochedo, ao lado da qual há um pequeno oratório que os francos converteram em igreja. Sempre que entrava nela, que estava em poder dos Templários que eram meus amigos, eles colocavam o pequeno oratório à minha disposição, para que eu pudesse rezar lá as minhas orações. Um dia, tinha entrado e dito o Allahu akkbar e preparava-me para me levantar quando um franco se atirou a mim pelas costas, levantou-me e virou-me para que eu ficasse voltado para oriente. ‘É assim que se reza!’, disse. Alguns Templários intervieram imediatamente, agarraram o homem e afastaram-no do meu caminho. Mas assim que o deixaram ele agarrou-me de novo, obrigou-me a virar para o oriente e repetiu que era assim que se rezava. De novo os Templários intervieram e levaram-no. Pediram-me desculpa e explicaram: ‘É um estrangeiro que só chegou hoje e nunca viu ninguém orar para qualquer outra direcção que não fosse para oriente’. ‘Terminei as minhas preces’, respondi e saí estupefacto com o fanático.”
- É fato provado que a Ordem do Templo sempre privilegiou mais o Xiismo, mais místico e aberto, que o Sunismo. Como diz Bernard Marillier, “uma coisa é certa: a Ordem dos Assacis desenvolve-se à medida das conquistas cristãs e da implementação das fortalezas templárias, o que não foi obra do acaso, mas devia corresponder a um movimento paralelo, de ordem material e sobretudo espiritual ou supra-espiritual tendo por objectivo a realização de um 'grande desejo'”(Bernard Marillier, Templários, pp. 43-48. Hugin Editores, Ltda., Novembro de 1998). De resto, é provável que o Templo tenha compreendido toda a vantagem que poderia tirar de uma aliança com os Assacis, primeiro contra os príncipes cristãos que se opunham ao seu poder no Oriente, donde o assassinato pelos Assacis do filho de Raimundo de Tripoli, hostil ao Templo, aliança comum contra o príncipe de Antioquia – pela qual os Templários foram censurados pelo Papa Gregório IX em 1236.  De resto o que se sabe e é incontestável, é que, mesmo que não tenham sido alterados os princípios fundamentais da teologia católica pelo Templo, ainda assim muita metafísica islâmica veio a influenciá-lo com conhecimentos e interpretações mais amplas e profundas. Também é fato que o Templo manteve relações estreitas com várias sociedades filosóficas e corporativas existentes nessas partes orientais: tanto colégios cristãos de Bizâncio ou independentes de foro anacorético, como corporações muçulmanas ou tarucs, florescidas do século IX em diante com o Movimento Karmate ou Ismaelita, do qual sairiam em 1090 os Assacis. Foi pela adaptação do modelo de uns e outros que os Templários do reino de Jerusalém constituíram comunidades de construtores - os chamados franco maçons (Chema Ferrer Cuñat, Los templarios y la secta de los Asessinos. In Codex Templi (Los misterios templarios a la luz de la Historia y de la Tradición). Santillana Ediciones Generales, S.L., Madrid, Abril 2006). 

3. Se os templários forjaram o Brasil e se eles deram origens a organizações iniciáticas/esotéricas – como alega a Maçonaria – nada mais natural que apresentar um maçom – José Bonifácio - como Pai do Brasil. O país nasce, aí, de um plano elaborado por uma organização semioculta; assim sua restauração só pode ser feita por pessoas ligadas a um novo pai fundador que remodele o país em cima desta mesma tradição primeva (No caso Olavo de Carvalho e sua "elite" intelectual).

4. Assim como os EUA foram fundados numa tradição democrática, o Brasil também foi – Caldeira não diz que somos uma democracia desde 1532? Se os EUA tinham por trás do seu recém criado organismo democrático, uma aristocracia iniciática, o Brasil, fundado pelos Cavaleiros da Ordem de Cristo – continuadora dos Templários – teria neles a referência a uma aristocracia esotérica como fundo da nossa formação, nos mesmos moldes da história americana. O uso da tese de Caldeira em relação com aquilo que Olavo sustenta no seu COF – formar uma “elite intelectual” a reboque dele – é um meio de legitimar um novo projeto para o país, com base numa pretensa tradição histórica: nossa salvação é sermos governados por uma nova aristocracia, de cunho intelectual, a partir da qual a democracia brasileira será uma espécie de quadro organizacional a proporcionar sua atuação discreta. 

5. Esta neo-aristocracia intelectual será responsável, pela determinação do âmbito dentro do qual os eventos históricos vão se desenrolar. Ela será formada pelo círculo de seus alunos. Ela vai moldar a cultura, a linguagem, a religião, o imaginário.

6. Cabe lembrar do papel que Olavo dá a maçonaria no processo de restauro do Ocidente: "De acordo com Guénon, a civilização do ocidente se não conseguisse reunificar maçonaria e cristianismo - pequenos e grandes mistérios - restaurando o corpo cindido da espiritualidade tradicional não teria alternativa senão cair na barbárie ou islamizar-se” (Jardim das Aflições, P. 262).

Recordamos que Olavo foi listado pelo Grande Oriente do RJ como ilustre maçom, aqui e que, nos idos de 1998/2000, foi afastado da Capela São Miguel do RJ, onde frequentava a missa tradicional celebrada por Dom Lourenço, em razão do mesmo ter ficado sabendo de sua recente iniciação na Romênia. Recorde-se também qual é o papel que Olavo atribui a maçonaria em termos de Brasil. 

7. A filiação maçônica de Olavo seria, em suma, o arco da abóboda. No fundo o Brasil Paralelo foi criado para pôr o país a reboque de um iniciado e de uma organização secreta, se valendo de falsos argumentos históricos para justificar tal empresa de forma sutil e sub-reptícia.

O site do projeto confessa que:
“NOSSOS PLANOS NÃO PARAM POR AQUI, ESTAMOS APENAS COMEÇANDO, E ESTAMOS LHE ENTREGANDO O NOSSO COMPROMETIMENTO EM CAUSAR O MAIOR IMPACTO CULTURAL QUE NOSSO PAÍS JÁ PRESENCIOU.”

E também que:
“TEMOS UM OBJETIVO BEM CLARO: TRANSFORMAR O IMAGINÁRIO POPULAR BRASILEIRO. PARA ISSO ACONTECER, CONTAMOS COM VOCÊ.”
Transformar o imaginário? Mas qual seria o intento desta transformação? Isso pode parecer despretensioso; se falassem de tomar o poder alguns poderia se alarmar mas trata-se “somente” de modelar o imaginário. Porém tal modelagem é o segredo do poder em termos gerais. Olavo mesmo nos explica isto em um trecho do Jardim das Aflições:
“a maçonaria não é um arquiteto invisível da história mundial, mas uma sociedade secreta que, pelo seu próprio modo de funcionar, molda o imaginário de seus membros e delimita seu campo de ação.”
É a partir dai que podemos explicar a articulação entre o recente lançamento da série sobre Bonifácio, do filme sobre o Jardim das Aflições e, agora, do Brasil Paralelo. 

Quem tiver olhos que veja.

Voltaremos ao assunto.


#Rafael Queiroz
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