Imagine o leitor que more em um grande centro urbano, um lugar gigantesco, cinza, extremamente populoso, com quase total ausência de "áreas verdes". Esta selva de pedra, sem dúvida, o tornaria mais propenso a alimentar fantasias apocalípticas: “o mundo está superpovoado”; “estamos destruindo a natureza”; “o ser humano é uma chaga no planeta”; e outras tolices mais. Alimentando tais fantasias, estaria, porém, apenas seguindo o coro midiático, com o adendo de justificar-se por uma experiência intima e pessoal. Todavia, tal experiência seria de sobremaneira local e não global. Se é evidente que as modernas megalópoles são um barril de pólvora, isto não se aplica a experiência humana no resto do planeta. Tratemos apenas do Brasil, provavelmente não sabe o leitor , mas apenas 4% do território nacional é ocupado por áreas urbanas, sendo além disto, a maioria delas pequenas e médias cidades. Diante de tal estatística falar em superpopulação é no mínimo risível. E se formos estender o raciocínio a nível global, em que países como o Japão correm o risco de desaparecer devido à baixa taxa de natalidade da população, a alegação malthusiana se torna ainda mais cômica.
Voltemos a questão da destruição das florestas, florestas tais que, se pensarmos apenas em mata nativa, no Brasil ocupam 66% do território nacional. Haja vontade para desmatar tudo isso, não rsrs? Além de que, a grande vilã apontada por derrubar as arvorezinhas, a “maligna” agricultura, não chega a ocupar nem 10% do território nacional. Para ser mais exato, 7%, e com um uso tão modesto da terra já somos conhecidos como o “celeiro do mundo”.
O que pretendo eu com este texto? Talvez construir sofismas para justificar a destruição da natureza pelas malignas corporações agroindustriais rsrs; na verdade busco apenas ajustar o senso das percepções, do global para o local. É evidente que existem problemas ambientais, problemas estes que afetam não só o corpo como também a alma, tendo em vista que: <Desde a criação do mundo, as perfeições invisíveis de Deus, o seu sempiterno poder e divindade, se tornam visíveis à inteligência por suas obras; [...] (Rm 1, 18)>, ou seja a contemplação da criação é uma das vias as quais nos levam a conhecer Deus, bem como a nós mesmos. Entretanto, agrupar tais problemas em uma metanarrativa ideológica, em que de modo histérico as preocupações dos indivíduos se voltam não para a tragédia ambiental no âmbito local - onde que terrenos baldios se tornam depósitos de lixo, antigos parques dão lugares a empreendimentos imobiliários, ciclovias são ignoradas em favor do lobby das montadoras - mas a um suposto desastre ambiental global - onde se grita em defesa da floresta (como um ente genérico e abstrato) e todo novo empreendimento é demonizado (hidroelétricas, grandes propriedades agrícolas, etc) - é no mínimo histeria.
No fundo, estamos diante do ressurgimento de primitivas superstições, onde a natureza, Pachamama, torna-se um ídolo demoníaco que, toma as vidas e destrói a inteligência de seus devotos.
O verdadeiro amor pela Criação, enquanto herança confiada a Deus ao gênero humano, se manifesta, sobretudo, em âmbito local. Quando os limites do visível se excedem demasiado, corre-se o risco de entrar nos sinuosos terrenos da ideologia.
Nesse ponto, eu gostaria de afirmar com toda clareza que o últimos dos direitos metafísicos não oferece argumento algum a favor daquela espécie de propriedade criada pelo capitalismo financeiro. Ao contrário, esse tipo de propriedade viola a noção mesma de proprietas. O aperfeiçoamento dessa instituição e sua adaptação às necessidades do comércio e da tecnologia representaram a maior ameaça à propriedade do que qualquer outra coisa já imaginada anteriormente. Pois a propriedade abstrata das ações e apólices e as posses legais de empresas jamais vistas na realidade destroem a conexão entre o homem e sua substância, sem a qual o direito metafísico perde o sentido. Esse tipo de propriedade se torna uma ficção útil para a exploração das pessoas e impossibilita a santificação do trabalho. A propriedade que defendemos como ancoragem, por sua vez, mantém sua identidade com o indivíduo. Não é verdadeiro apenas o que acabamos de dizer, mas também o fato de que a acumulação de enormes propriedades por proprietários anônimos é um convite constante a um maior controle do Estado sobre nossa vida e nossas riquezas. Pois quando as propriedades são imensas e integradas, em uma escala que agora vemos com freqüência, é necessário apenas um pequeno passo para que seu controle seja transferido ao Estado. Na verdade, é um lugar-comum observar que as tendências monopolistas são também uma tendência ao estabelecimento da propriedade estatal. Se nós aprofundássemos a análise descobriríamos que os negócios criam uma burocracia que facilmente pode ser integrada à do governo. Além disso, as grandes empresas raramente deixam de solicitar ajuda ao governo, já que sua reivindicação por independência se baseia em um desejo de lucro, e não em algum princípio ou senso de honra. Portanto, o mundo dos negócios e a racionalização da indústria estimulam os males que procuramos superar. O exercício da propriedade por meio de ações faz com que a propriedade se transforme em uma unidade autônoma consagrada a metas abstratas. Ademais, o campo de responsabilidade do acionista fica tão limitado quanto o do trabalhador especializado. Os defensores da propriedade privada realmente estão obrigados a se opor e muitas das ações que atualmente são realizadas em nome dos empreendimentos privados, porque as organizações corporativas e os monopólios são os próprios meios através dos quais a propriedade tem abandonado seu caráter privado. A solução moral para este problema consiste em distribuir a propriedade em pequenas parcelas. Estas podem assumir a forma de pequenas fazendas, de comércios locais e de lares ocupados por seus proprietários. Nesses casos, a responsabilidade individual passa a valorizar o direito sobre a propriedade. Esse tipo de propriedade faz com que seu dono tenha uma ampla margem de escolha por meio da qual ele pode se tornar uma pessoa integral. O capitalismo monopolista e o comunismo devem ser condenados justamente porque favorecem a diminuição dessa ampla margem de escolha. Dizer isso equivale a afirmar que o homem tem o direito inalienável a ser responsável. Essa responsabilidade não pode existir quando esse direito essencial pode ser violado em nome de uma utilidade social temporária ou quando ele pode ser substituído por obrigações impostas por outros. Portanto, somos obrigados a afirmar que alguns direitos existem desde o princípio e que a existência de um vínculo privado com sua essência é um deles.
Os homens vivem numa certa ignorância natural: não podem por si, enquanto indivíduos, abarcar tudo o que a civilização precisa saber para existir. Deste modo os preconceitos - que nada mais são que os conceitos herdados da tradição consolidada - operam como meios poderosos de socialização e racionalização do homem médio: por meio deles os homens entram em contato com as idéias que sustentam uma comunidade humana sem a necessidade de entender perfeitamente todo seu alcance ou sentido. Os conceitos em que se sustenta uma civilização são sempre obra de uma elite que descortina e produz conhecimento. É natural que somente esta elite seja capaz de compreender o significado deles. Aqui não falamos de uma elite econômica ou política mas daquela que, podendo ser econômica ou política, exerce um papel de orientação cultural da civilização , daquela que forja a mente dos povos.
O homem pós moderno busca se livrar dos preconceito; isso nada mais é que uma tentativa de se ver livre das tradições consolidadas abrindo espaço para a liberação total dos costumes e para a destruição da civilização. Estamos diante do homem tribal que rejeita qualquer lei ou ordem. A luta contra os preconceitos é a luta contra a necessidade de qualificar e distinguir isso daquilo e de valorar o mais excelente em relação ao menos. Evidente que nem todos os preconceitos são sadios ou verdadeiros; há civilizações e civilizações. O preconceito comum entre os índios do Brasil Colônia sobre o canibalismo – que eles encaravam como meio de obter o poder e virtude do guerreiro ou inimigo devorado – é um exemplo disso: embora mantivesse a coesão tribal mobilizando-a na luta contra o inimigo e pela sobrevivência, significava um costume bárbaro que deveria ceder lugar diante de um organização civilizacional superior. Foi o que se deu quando os europeus aqui se instalaram e instituíram a religião cristã entre as populações nativas: substituíram um preconceito bárbaro por um civilizado e cristão qual seja o do respeito a vida humana como imagem de Deus. O conceito teológico de homem como imagem de Deus certamente escapava dos nativos. Mas a medida que ele se exteriorizava através da pregação dos padres e missionários e nas instituições que eram criadas pelos colonizadores , acabou virando uma espécie de forma mentis coletiva subjacente ao indivíduo.
A visão racionalista – diretamente responsável pela luta contra os preconceitos – compreende que cada indivíduo é capaz de, por si só, fazer o exame de todas as crenças e submetê-las ao seu juízo. Isto constitui mesmo a base conceitual do iluminismo; dizia Kant que cada um deveria se servir exclusivamente de sua razão , sem apelar a autoridade da religião , tradição , etc . A visão kantiana–iluminista se fundava num amplo otimismo sobre o homem, seja sobre suas capacidades racionais, seja sobre a bondade da natureza humana. Iluministas acreditam que todos os homens tem capacidades iguais e que todos nascem bons sem nenhuma desordem.
Na verdade o iluminismo é uma grande farsa. Basta analisarmos o homem em sua condição histórica. O iluminista esquece disso e olha a razão humana apenas de um ponto de vista idealista, olha para a razão apenas em seu sentido geral sem levar em conta as condições concretas que podem tolhê-la ou estimulá-la, que fazem de uns mais inteligentes que outros e portanto mais capazes de resolver problemas que outros. Embora todos os seres humanos sejam racionais em potência, quanto ao ato, essa racionalidade não existe no mesmo grau em todos os homens. Assim todos os homens tem potencial muscular mas nem todos desenvolvem a musculatura e outros a desenvolvem mas nunca no mesmo grau. Em suma, apesar de haver um certa igualdade entre os homens enquanto dotados da mesma natureza, existe uma desigualdade que é decorrente da atualização dessa mesma natureza em cada um. Cada homem individual está em um grau de saber e virtude diferente.
Onde queremos chegar ? É bem simples: para a humanidade é uma lei que muitos dependam de poucos; e esses poucos são os que possuem em maior grau o saber e a capacidade de ordenar. As civilizações não avançam sem essas minorias. Essas minorais são criadoras de leis, instituições, são as custodiadoras dos valores que impregnam a cultura de um civilização. A maioria menos capaz resta assimilar o que a minoria realizou de superior. Foi isso que durante os séculos de formação do ocidente cristão se deu : a minoria (o clero católico) forjou as bases de nossa cultura. A maioria (nobres e servos) assimilaram as verdades e preceitos transformando-os em tradição. As gerações seguintes herdaram esse legado como um patrimônio sagrado. Mas quando os iluministas pretenderam levar a discussão esse patrimônio sagrado, através da critica racional a sociedade do antigo regime e das suas bases teológicas e históricas, abriram–se os tempos revolucionários e o mundo, combalido pelo culto da razão humana apartada da história, entrou num torvelinho de revoluções sem fim que ameaçam destruir todos os elementos civilizacionais.
Entendamos: a luta contra os preconceitos é a luta da razão abstrata e igualitária contra a razão histórico-tradicionalista que nos ensina que, em face da desordem que acomete a natureza humana, não podemos confiar no pensamento individualista que se põe a julgar o passado em nome do presente, do futuro ou do progresso da humanidade visto como liberação do passado. O passado constitui uma lição para as gerações futuras não podendo ser ignorado. Ignorar o passado e querer se ver livre dos preconceitos é apostar no escuro. Pretender refundar a civilização humana na ausência de critérios – que é em suma a luta da atual idéia de combate aos preconceitos – é construir em cima de nuvens e de vento, ou seja, caminhar para o mais absoluto niilismo. Como as sociedades humanas precisam de um poder que as organize o que restará é apenas a lei do mais forte: sem os preconceitos a moderar as ações do poder político pelo respeito sagrado a sabedoria do passado, restará apenas a capacidade de quem tem dinheiro e meios de formar a opinião da maioria como bem quiser, de acordo com seus interesses mais imediatos. O fim dos preconceitos abre a via para a dominação de uma nova elite, essa sim mais inescrupulosa que todas as outras que já existiram, pois sem nenhum critério moral absoluto a lhe moderar os apetites de poder. Sem preconceitos não há limites morais e sem limites morais tudo é permitido.
Como bem diz Blaise Pascal em sua obra "Pensamentos", no nº 331, os princípios da vida política foram criados para moderar a depravação e loucura dos homens:
Platão e Aristóteles escreveram sobre política para pôr ordem em um hospício... sabiam que os loucos a quem falavam julgavam-se reis e imperadores, entravam nos princípios para moderar sua loucura na medida do possível.
Sobre isso cabe atentarmos para as sábias palavras de Russel Kirk sobre a função dos preconceitos na vida da civilização:
(...) todos possuímos preconceitos. Isso nem é de todo uma desgraça. Alguns de nossos preconceitos são tolos e, talvez, perniciosos, mas outros são, simplesmente, as regras necessárias pelas quais vivemos.
"Pré-conceito" significa pré-julgamento: ou seja, decisões a que chegamos rapidamente sem ter de pesar muito as provas. Assim, se os "pré-conceitos" que temos são sensatos ou insensatos, dependerá das fontes de nossas crenças e de nossas preferências mais arraigadas. É claro que uma pessoa pode nutrir preconceitos tolos a respeito do tom da pele ou dos cabelos de outro ser humano ou sobre a natureza de sua religião. Mas também é verdade, como escreveu Edmund Burke (1729-1797), que por um sábio preconceito a virtude se torne hábito. Dessa maneira, povos de inclinações saudáveis e de instrução moral decente alimentam um preconceito a respeito do assassinato. Quando ouvimos que foi cometido um homicídio, reagimos a partir de nossos pré-conceitos -- e é justo que o façamos. Não perguntamos se o homem assassinado era bom ou se o assassino tinha boas maneiras, ou (supondo que sintamos como se estivéssemos desferindo o derradeiro golpe) podemos conseguir escapar sem sermos notados. Diferente da personagem principal do romance de Fiódor Dostoiévski (1821-1881), "O Idiota", não pesamos racionalmente os aspectos benéficos e nocivos de um determinado assassinato para então decidir se iremos eliminar outra vida humana. Ao contrário, simplesmente obedecemos ao mandamento "Não matarás", caso sejamos pessoas normais. Ao tomarmos conhecimento de um assassinato, decidimos que independente das circunstâncias particulares, o assassinato é mau e que a justiça deve ser feita. Um preconceito sensato, adquirido desde cedo na vida, nos informa que o assassinato é algo proibido e que não deve ser tolerado por sentimentalismos. Igualmente, somos capazes de manter uma decente ordem social civil porque a maioria de nós age com base em sábios preconceitos sobre roubo, crueldade e fraude. Não temos de titubear e tentar ponderar as possíveis perdas e ganhos que encerram atividades como a trapaça ou o espancamento do próximo. Se somos bons, a maioria das pessoas é boa por ter hábitos morais. Não temos de realizar uma espécie de cálculo todas as vezes em que somos compelidos a tomar uma decisão moral. Instilamos, deliberadamente, preconceitos desejáveis desde o início da vida -- por exemplo, no ato de dar umas palmadas caso nossos meninos persistam em chutar as canelas de outros meninos. Pais prudentes, de modo acertado, criam suas crianças com preconceitos a respeito de pequenos furtos em lojas, de estilhaçar janelas e de atormentar os cães. Não ensinam aos seus rebentos a perguntar: "Será que alguém vai me assistir torturando aquele cãozinho?"ou "Não seria mais divertido que perigoso dar um jato d'água na Sally?" Permitam-me acrescentar que pais saudáveis também tentam manter os filhos livres de falsos preconceitos. É uma questão de discriminação precoce, mas criar alguém completamente sem preconceito é educar de modo indeciso e totalmente imoral. Não é errado ser preconceituoso com trapaceiros, mentirosos, fanáticos e demagogos.
A Sociedade é – segundo a profunda concepção tradicional, predominante na Grécia, em Roma e na denominada Idade Média – uma hierarquia de Grupos Sociais Naturais, dentre os quais o primeiro e mais fundamental é a Família. Tal concepção é a única concepção verdadeira, posto que, como sublinha Heraldo Barbuy, “repousa na visão do que a sociedade realmente é: repousa na intuição da essência da sociedade”, definida esta pelo insigne pensador patrício como “síntese de grupos naturais” [1].
A Sociedade é, pois, uma hierarquia de Grupos Sociais Naturais, uma síntese de Corpos Intermediários, cuja cellula mater é a Família. Esta é a mais natural das sociedades menores que formam a Sociedade, uma vez que contém, ainda de acordo com a lição do autor de O problema do ser, todos os liames dos demais grupos, além do liame biológico e de uma religiosidade mais estreita que faz da Família Tradicional, antes e acima de tudo, um círculo religioso [2].
Os Grupos Naturais, que encontram sua razão de ser na própria natureza da Pessoa Humana, podem ser resumidos em:
a) Grupo biológico, através do qual o Homem se projeta no tempo – a Família;
b) Grupos espirituais – as igrejas e demais locais de culto em que o Ente Humano eleva suas preces a Deus;
c) Grupos econômicos – associações profissionais voltadas à defesa do Trabalho, que é um direito natural da Pessoa Humana e ao mesmo um dever desta para o engrandecimento do Bem Comum – Corporações, Sindicatos etc.;
d) Grupos políticos – o Município e a Nação;
e) Grupos educacionais e culturais – escolas, universidades, academias, instituições culturais.
A respeito dos grupos espirituais, econômicos, educacionais e culturais julgamos não ser necessário discorrer mais, de modo que retornaremos ao grupo biológico e, em seguida, cuidaremos dos grupos políticos e, por fim, do Estado, que não é um Grupo Natural, mas sim a síntese espontânea dos Grupos Naturais.
A Família é, no dizer de Plínio Salgado, “o Grupo-Síntese que oferece ao Estado o sentido dos lineamentos exatos” [3], posto que é a Família a força moral em que o Estado Ético-Integral deve ir buscar a sua força, de modo que não há Estado Ético sem Família [4].
No chamado Manifesto de Outubro, mais fundamental documento do Integralismo, Plínio Salgado pondera que o Homem e a Família precederam o Estado, que deve ser forte para manter sua integridade, posto que é a Família quem cria as virtudes que consolidam o Estado, sendo o próprio Estado “uma grande família, um conjunto de famílias” [5].
Podemos dizer que um dos mais graves erros do individualismo liberal e do coletivismo comunista foi o de não considerar os Grupos Naturais em geral e a Família em particular, concebendo, os individualistas, a Sociedade como mera soma de indivíduos, e os coletivistas, como simples massa social. Cumpre ressaltar, com efeito, que os individualistas e os coletivistas, criando, respectivamente, o Monstro Indivíduo e o Monstro Sociedade ou Monstro Estado, não apenas desconsideraram a existência dos Grupos Naturais, como também os combateram de todas as formas possíveis, logrando enfraquecê-los, mas nunca destruí-los.
Sabemos que só há uma Sociedade, uma Nação e um Estado forte onde a Família é forte, de sorte que defendemos o revigoramento da Família, baluarte da Ética, da Moral, dos Bons-costumes, da Tradição. Esta última, definida por Herder como a “cadeia sagrada que liga os homens ao passado”, conservando e transmitindo tudo aquilo “que foi feito pelos que os precederam” [6], constitui um princípio estático-dinâmico, como preleciona Arlindo Veiga dos Santos [7], sendo, ademais, uma das principais bases do Integralismo. Faz-se mister frisar, com efeito, que o ilustre jusfilósofo espanhol Francisco Elías de Tejada y Spínola considerou Plínio Salgado o maior pensador tradicionalista do Brasil, ao lado de José Pedro Galvão de Sousa [8], e que Gustavo Barroso bem classificou o Integralismo como “modalidade nacional das doutrinas tradicionalistas e nacionalistas das chamadas Direitas” [9].
É da Família, cellula mater da Sociedade, que nasce o Município, cellula mater da Nação, que constitui, como ressalta René Pena Chaves, uma reunião de famílias autônomas, ligadas entre si por interesses de vizinhança e organizadas politicamente [10].
O Município, unidade política fundamental, sede das famílias e das classes, constituindo uma reunião de moradores que aspiram ao bem-estar e ao progresso da localidade, deve ser autônomo em tudo o que diz respeito a seus peculiares interesses [11].
O Manifesto Municipalista, redigido por Plínio Salgado e lido por Goffredo Telles Junior durante a V Convenção Nacional do Partido de Representação Popular (PRP), em 1948, afirma que, da mesma forma que “a palavra ESPIRITUALISMO resume nossa filosofia, a palavra MUNICIPALISMO resume nossa política” [12].
Consoante salienta o autor de Psicologia da Revolução no referido Manifesto, o Homem só poderá ser feliz quando for livre e somente será “socialmente livre se viver dentro de uma Pátria moralmente grande” [13].
Ora, prossegue Plínio, um País, “como um todo, só é moralmente grande e politicamente forte quando são pujantes os elementos de que ele se compõe” e o Brasil, do ponto de vista administrativo, é dividido em Estados que consistem em criações de natureza política. Caso consideremos, entretanto, a evolução natural de nossa Sociedade, notaremos que a Nação Brasileira é constituída de Municípios formados de maneira espontânea e que são, portanto, “os elementos naturais de que se compõe o corpo da Nação” [14].
É dentro do Município – preleciona o pensador patrício – que “o Brasil palpita e vive”, que nosso povo “vai tecendo sua existência cotidiana”, que “o agricultor cultiva sua terra, o industrial transforma os produtos, o comerciante troca as mercadorias e que os homens de todas as profissões exercem seus misteres”. Assim, a produção, a prosperidade, a riqueza, a saúde, o bem-estar e a cultura dos brasileiros não podem provir senão do Município, que é, deste modo, “a oficina do progresso nacional” [15].
É em torno da União e do Município que giram quase todos os interesses pertinentes aos cidadãos e à Pátria e, como a vida de cada pessoa se encontra profundamente vinculada às condições do Município em que tal pessoa reside, “a grandeza da União se afirma em razão direta da vitalidade dos Municípios, de que ela se compõe” [16].
Isto posto, importa salientar que o federalismo, enquanto forma de Estado, é totalmente contrário à Tradição Nacional, havendo sido sua importação, pela República, um dos maiores crimes de que foi vítima esta Nação, nascida sob o signo da centralização política e da descentralização administrativa e da preponderância da União e do Município sobre a Província.
Havendo cuidado do primeiro Grupo Social de natureza política, passemos ao segundo, que é a Nação.
A Nação, do latim nasci, nascer, é um conceito eminentemente histórico, cultural e racional, sendo caracterizada, antes de tudo, por sua Tradição, que diferencia seu povo em relação aos demais povos da Terra, forjando o caráter da personalidade nacional.
Formada por seus filhos e pelos Grupos Naturais a que estes pertencem e nos quais exercem melhor seus deveres e direitos, a Nação é uma entidade inconfundível, um organismo dotado de fórmula sociológica, vocação e modo de vida próprios, decorrentes de sua formação histórica e social.
A Nação é – consoante preleciona Plínio Salgado – uma continuidade histórica, no Passado, no Presente e no Porvir, um “patrimônio territorial no espaço geográfico”, uma realidade social, uma expressão moral e ética, como conjunto de pessoas, famílias, sindicatos, corporações, municípios. “É a unidade humana diferenciada pelo meio físico, pela estrutura étnica, pelos índices culturais, pelo idioma, pelo temperamento e vocação de um povo”, podendo faltar-lhe um ou mesmo mais de um de tais elementos, como a unidade linguística ou étnica, mas jamais “aquele espírito de grupo a que se refere Durkheim, com certo exagero, mas que nós podemos aceitar nos seus próprios limites” [17].
A Nação é, ainda segundo o autor da Vida de Jesus, “consciência de Tradição, de Atitude e de Destino histórico” [18], se exprimindo politicamente numa personalidade coletiva, que tem consciência de onde veio, de onde está e de para onde deve ir [19].
Por fim, tratemos do Estado, que, como afirmamos há pouco, não é um Grupo Natural, mas sim a síntese espontânea dos Grupos Naturais, que o precederam.
O Estado, assim, como a Sociedade, é, segundo preleciona Heraldo Barbuy, apenas um meio, sendo a Pessoa Humana o verdadeiro fim [20]. No mesmo sentido entendem, dentre outros, Plínio Salgado [21], Goffredo Telles Junior [22], Tristão de Athayde [23], Ataliba Nogueira [24], Machado Paupério [25], Darcy Azambuja [26] e Marcus Cláudio Acquaviva [27].
Diversamente do Estado Ético hegeliano, que se constitui na fonte única da Moral, da Ética e do Direito, o Estado Ético preconizado pelo Integralismo é o Estado transcendido pela Ética e movido por um ideal ético. Ele existe para servir ao Homem e aos Grupos Naturais e não para ser servido por eles ou violentá-los e reconhece os direitos naturais da Pessoa Humana e não os concede como favores.
#Victor Barbuy
[1] BARBUY, Heraldo. A Família e a Sociedade. In Servir, n° 1297, ano XXVII, São Paulo, 20 de setembro de 1957, p. 75.
[2] Idem, loc. cit.
[3] SALGADO, Plínio. Palavra nova dos tempos novos. 4ª ed. In SALGADO, Plínio. Obras Completas. 2ª ed., vol. VII. São Paulo: Editora das Américas, 1957, p. 236.
[4] Idem, pp. 235-236.
[5] SALGADO, Plínio. Manifesto de Outubro de 1932. In Sei que vou por aqui!, n. 2, São Paulo, setembro-dezembro de 2004, p. X.
[6] HERDER, apud ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Tradução da 1ª ed. brasileira coord. e rev. Por Alfredo Bosi; rev. da trad. e trad. dos novos textos Ivone Castilho Benedetti. 5ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 1150.
[7] SANTOS, Arlindo Veiga dos. Idéias que marcham no silêncio... São Paulo: Pátria-Nova, 1962, p. 43.
[8] “Ninguém havia entendido a Tradição brasileira antes dele [Plínio Salgado], e, depois, convém apenas compará-la com o empreendimento intelectual de José Pedro Galvão de Sousa em nossos dias, se bem que este tenha apurado até às suas últimas conseqüências os planos das raízes tridentinas, filipinas e hispânicas do Brasil, que, aliás, em Plínio Salgado constam também com patente claridade” (TEJADA, Francisco Elías de. Plínio Salgado na Tradição do Brasil. In Plínio Salgado, in memoriam (volume II – autores estrangeiros). São Paulo: Voz do Oeste/Casa de Plínio Salgado, 1986, p. 70.
[9] BARROSO, Gustavo. História do Brasil em quadrinhos. (2ª parte). Desenhos de Wasth Rodrigues. Rio de Janeiro: Editora Brasil-América, 1979, p. 38.
[10] CHAVES, René Pena. Tese apresentada pela Câmara Municipal de Campinas ao II Congresso das Câmaras Municipais do Estado de São Paulo em 12 a 16 de junho na Cidade de Ribeirão Preto relativa ao II item do temário: Estudo da significação e função dos Municípios e das Câmaras Municipais. Campinas: Oficinas Gráficas “Casa Livro Azul”, 1949, p. 7.
[11] SALGADO, Plínio. Manifesto de Outubro de 1932. In Sei que vou por aqui!, n. 2, São Paulo, setembro-dezembro de 2004, p. XI.
[12] SALGADO, Plínio. Manifesto Municipalista do Partido de Representação Popular. Edição da Secretaria Nacional de Propaganda do PRP, s/d, p. 3.
[13] Idem, loc. cit.
[14] Idem, loc. cit.
[15] Idem, pp. 3-4.
[16] Idem, p. 4.
[17] SALGADO, Plínio. Direitos e deveres do Homem. 1ª ed. Rio de Janeiro: Livraria Clássica Brasileira, 1950., pp. 129-130.
[18] Idem, p. 134.
[19] Idem, p. 132.
[20] BARBUY, Heraldo. A Família e a Sociedade. In Servir, n° 1297, ano XXVII, São Paulo, 20 de setembro de 1957, p. 77.
[21] SALGADO, Plínio. Madrugada do Espírito. 4ª ed. In SALGADO, Plínio. Obras Completas, 2ª ed., vol. VII. São Paulo: Editora das Américas, 1957, p. 443.
[22] TELLES JUNIOR, Goffredo. Justiça e Júri no Estado Moderno. São Paulo: Empresa Gráfica da Revista dos Tribunais, 1938, p. 31.
[23] ATHAYDE, Tristão de. Política. Rio de Janeiro: Livraria Católica, 1932, p. 77.
[24] NOGUEIRA, J. C. Ataliba. O Estado é um meio e não um fim. 1ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1940, p. 113.
[25] PAUPÉRIO, A. Machado. Teoria Geral do Estado. 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979, pp. 68-70.
[26] AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. 38ª ed. São Paulo: Globo, 1998, p. 122.
[27] ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Teoria Geral do Estado. 2ª ed., revista e aumentada. São Paulo: Editora Saraiva, 2000, p. 83.
A Legião da Santa Cruz é uma associação cultural e cívica que reúne em suas fileiras pessoas comprometidas com a restauração do legado Católico da nossa pátria, que há muito tempo se diluiu em doutrinas estranhas as raízes que a formaram, e que hoje está submersa nas trevas da imoralidade e da perversão. Nosso objetivo é construir um verdadeiro front de resistência Católica, que inclua desde um vasto trabalho intelectual e informativo até uma plataforma política própria que possa representar e dar primazia a identidade profunda do Brasil e sua Fé.
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