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sexta-feira, 27 de outubro de 2017

A Igreja e a tradição dos povos


A confusão ideológica pós-moderna têm levado muitos homens por uma jornada em busca de uma maior valorização do passado; a “tradição” seria o caminho orientador dos povos, o remédio contra o veneno cosmopolita. Vejo com bons olhos todo este movimento, porém não raro junto as rosas costumam crescer as ervas daninhas que podem vir a sufocá-las, de modo análogo junto a este saudável resgate do passado, tem crescido tantas vezes a pregação de um isolacionismo demente sob máscaras de nacionalismo, um romantismo estático sob desculpa de tradição. E disso se aproveitam os filhos da serpente, para destilar seu veneno odioso contra a Santa Igreja; tive a infelicidade de ler um desses textos venenosos em que o autor taxava a Igreja com o rótulo de “multinacional estrangeira” e numa revolta fascista, resmungava por ela minar o poder do Estado rsrs, responderei pois essas vãs acusações ao longo do texto, antes porém cabe alguns conceitos básicos.

Como bem explica Perillo Gomes:

Os princípios de expansão e de assimilação, po­tencia de ação e potencia de unidade, em linguagem philosophica, é que explicam, de um ponto de vista meramente natural, a vida internacional. As nações, quanto mais cultas, mais se apercebem de que são unidades incompletas. E buscam, então, em outras, aquillo que sentem que lhes falta - eis o principio de expansão. Mas o que ellas vão buscar além das suas fronteiras, ellas não podem nem querem acolher como corpo estranho. E então se empenham num trabalho de assemelhação, de harmonisação, para manter o indispensavel caracter de unidade - eis o principio de assimilação.

Se, no entanto, uma intelligencia superior não preside o desenvolvimento dessas duas forças instinctivas da collectividade, teremos, como consequencia, a perturbação, o conflicto, o predomínio de uma sobre a outra ou o seu exercício desviado das verdadeiras finalidades. E o principio de expansão se transforma em principio de conquista, e o de assimilação em principio de domínio. Eis a gênese do imperialismo. [1]

Em resumo: nenhum país é perfeito, nenhuma cultura basta a si mesma, aqueles que se isolam definham. É o natural desejo de expansão que leva a buscar o contato com outras culturas, e através desse contato por uma saudável assimilação, se absorve aquilo que convém, de modo harmônico, em consonância com a cultura e tradições primevas. A Santa Igreja sempre compreendeu e respeitou esta dinâmica orgânica das sociedades, o termo "inculturação do Evangelho”, reflete essa consciência. Cito o exemplo do Apóstolo do Brasil: São José de Anchieta não queria transformar os índios em uma cópia dos portugueses, mas trazer-lhes os elementos civilizatórios e salvíficos para que eles pudessem desenvolver a própria identidade e o próprio caminho segundo a Fé Verdadeira, diferente do maçom Marquês Pombal que queria uma padronização industrial; este bode infeliz aboliu e sepultou a língua geral (cultivada e sistematizada por Anchieta), sumiu com os jesuítas do continente, e promoveu uma matança geral. Aí temos o contraste entre a ação orgânica, civilizatória e evangelizadora da Igreja e o imperialismo liberal cosmopolita.

É preciso compreender este aparente paradoxo, se por um lado se respeita a organicidade natural das culturas, por outro é dever de caridade tirá-los do erro, das trevas das heresias e do paganismo, levando a extinção dos seus ídolos e o combate ao pecado. Se todos os povos e tradições devem pois estar sujeitas a lei Divina e a sã doutrina, cada um têm a liberdade de, irmanados pela mesma Fé, manifestar seus dons e peculiaridades individuais, pois, como nos ensina o Pentecostes, só na Igreja Santa, vivificada pelo Divino Espírito que encontramos o saudável equilibro da diversidade na unidade.

Sobre a acusação da Igreja minar o poder do Estado, é dever dela para o bem dos indivíduos, impedir uma estatolatria pagã que faz do Estado um ídolo:

Quem pega da raça, ou do povo, ou do Estado, ou da forma de Estado, ou dos senhores do poder, ou de qualquer outro valor essencial à comunidade humana - coisas que na cidade terrestre ocupam lugar honroso e justo - para se deslocar da sua devida escala de valores e elevá-los ao pedestal onde os diviniza e lhes presta culto idólatra, - perverte e falsifica a ordem das coisas criadas e estabelecidas por Deus, está longe da verdadeira fé em Deus e da concepção de vida correspondente a essa fé. [2] 

Concluindo: não seja um vira-lata americanoide a desprezar as tradições nacionais na ânsia de querer transformar esta terra em uma cópia barata da potência cultural da moda. De igual modo, lembre-se que todas as tradições humanas estão sujeitas ao juízo do Evangelho, afim de que aquilo que contribua para a maior glória de Deus seja cultivado e conservado e aquilo que contraria leis divinas seja cortado e jogado ao fogo.

#Edmundo Noir
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[1]GOMES, Perillo. O Liberalismo; 1933.
[2] Pio XI. Mit Brennender Sorge, §12.

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